Discentes do Programa de Pós-Graduação em Gestão de Recursos Naturais e Desenvolvimento Local na Amazônia (PPGEDAM) tiveram a oportunidade de conhecer, entre os dias 1º e 3 de agosto, diversas experiências relacionadas à gestão, ao uso e ao aproveitamento de recursos naturais na região do Baixo Tocantins, com visitas agendadas nos municípios de Abaetetuba, Barcarena e Igarapé-Miri. A visita técnica é uma disciplina obrigatória do PPGEDAM, que tem como objetivo apresentar aos discentes do programa experiências de atividades econômicas e socioambientais relacionadas à gestão, ao uso e ao aproveitamento de recursos naturais na Amazônia. A visita contou com a participação de 20 alunos, sob a orientação dos professores Otávio do Canto, Rodolpho Zahluth Bastos, Rosana Maneschy, Sérgio Moraes e Wagner Barbosa.
“Trata-se de uma proposta que busca potencializar um processo de aprendizado inovador que alia conhecimento empírico e vivência no campo. O diálogo entre mestrandos e professores – e entre os próprios alunos – se torna natural e espontâneo durante o desenvolvimento da atividade. O resultado é um processo coletivo de reflexão crítica sobre as realidades locais que envolve práticas e experiências de uso e aproveitamento de recursos naturais. Permite perceber escolhas e pontos de vista dos diferentes atores envolvidos, certo de que, em certa medida, também amplia o olhar sobre as possibilidades futuras de intervenção na prática profissional”, avalia o coordenador do programa, professor Rodolpho Zahluth Bastos.
Programação – No primeiro dia, os alunos visitaram a Cooperativa dos Fruticultores de Abaetetuba (Cofruta), que comercializa espécies frutíferas nativas da Amazônia. A Cofruta administra a fábrica de processamento do açaí, polpas de frutas e sementes. O presidente da cooperativa, Raimundo Brito de Abreu, apresentou a história, a estrutura da organização, bem como os avanços e as dificuldades. "Uma das maiores dificuldades é conseguir manter os jovens, filhos dos cooperados, e profissionais qualificados na cooperativa", ressaltou.
Raimundo Abreu destacou, ainda, que, por meio da diversificação dos produtos, os 87 cooperados conseguem ter renda o ano inteiro. A cooperativa participa de editais de fomento, estabelece parceria com diversas empresas, vende parte da produção para outros Estados e, recentemente, passou a fornecer merenda escolar para municípios da região.
Ainda no primeiro dia, os mestrandos visitaram a comunidade quilombola Burajuba, em Barcarena. 480 famílias fazem parte da comunidade, vivem em uma relação direta com os recursos naturais e estão em processo de regularização das terras no INCRA. Além do açaí, parte da comunidade trabalha com a produção de mel. A comunidade, que depende dos recursos naturais para viver, denuncia a contaminação dos rios e igarapés por grandes projetos implantados no Município de Barcarena.
Pela tarde, o grupo visitou a Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Econômico de Barcarena. A diretora de planejamento e coordenação, Lúcia Paixão, apresentou as atividades desenvolvidas pela secretaria, desde a organicidade da instituição, as ações de controle, licenciamento e educação ambiental relacionando-as aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU), por meio da Agenda 2030. Lúcia apresentou também projetos futuros, como a criação do Centro de monitoramento hídrico e o zoneamento ecológico. "Devido às nossas condições ambientais, isso é importantíssimo pra nós", comenta a diretora.
No segundo dia, 2 de agosto, o grupo reuniu com a comunidade ribeirinha da ilha Xingu, que vive em área onde será construído o porto privado de exportação de grãos da Cargill. A empresa produz e comercializa internacionalmente produtos e serviços alimentícios, agrícolas, financeiros e industriais.
Os mestrandos ouviram relatos sobre os modos de vida da comunidade pautados em práticas de uso e aproveitamento dos recursos naturais, como a pesca tradicional. O líder comunitário, Sr. Romildo de Assunção, conta que "a comunidade vive do puro extrativismo com algumas adaptações, mas nunca desmatou área, nunca contaminou a área, só usando e usufruindo dos bens que a natureza dá: peixe, camarão, marisco, açaí e caça. E tem tantas gerações que estão ainda vivendo isso! Vivemos dentro da lógica da sustentabilidade". Com base nos relatos, a comunidade se mostrou organizada e fortalecida, no sentido de não concordar com a implantação do porto na região. "Aqui, na comunidade, 95% são pescadores, e um estudo da Cargill diz que não existe pescador aqui dentro. Já pensou uma coisa dessa?", denuncia o ribeirinho Dilmaycon Freitas.
Outra comunidade visitada no rio Campopema tem como atividades principais o manejo do açaí e a extração de essências florestais. A comunidade integra cooperados que atuam na parceria entre Cofruta e Natura. O agricultor Raimundo Pereira, morador da comunidade, cultiva uma diversidade de frutos, mas percebeu que nem tudo é produtivo, por causa da diferença da terra, em área de várzea e de terra firme. "Tem coisa que já tá dando, e tem coisa que tu planta e cuida como uma criança e não dá, porque a terra não é própria. Então, a gente nasce aprendendo e morre aprendendo", reflete o morador.
No barco Panacarica, os alunos puderam conhecer e sugerir novas possibilidades sobre projetos relacionados à água potável nas ilhas e o Projeto Lacumama, de uso e aproveitamento da biodiversidade ribeirinha. Na oportunidade, foi estabelecido um acordo de cooperação entre o Núcleo de Meio Ambiente (NUMA) e a comunidade, visando à formação e à assistência técnica no aproveitamento de água da chuva. Outra etapa envolve pesquisa e assessoria no desenvolvimento de pesquisas sobre plantas medicinais em Abaetetuba.
O terceiro dia de visita teve início na destilaria de cachaça da Amazônia, produto tradicional de Abaetetuba, e envolveu visitação ao canavial e à instalação industrial. A empresa produz a cachaça "Indiazinha", que está entre as 50 melhores do Brasil no quesito processos sustentáveis. Segundo o sócio- diretor, Omilton Quaresma, a destilaria representa "um dos projetos mais sustentáveis da cadeia produtiva do setor, desde o uso e manejo da matéria-prima, até a gestão de resíduos e reaproveitamento deles."
A visita ao sítio do seu José Lídio, outro ponto da expedição, foi enriquecedora aos alunos, que puderam conhecer, na prática, os desafios da agricultura familiar. No sítio, produzem-se 80 tipos de frutos, sendo os principais cupuaçu, acerola, bacuri, cacau e goiaba. Os demais são produzidos em pouca quantidade e aguçam a curiosidade das pessoas por serem frutos não encontrados facilmente no mercado. Os frutos produzidos em diferentes composições (sólidos e líquidos) são comercializados em feiras da agricultura familiar e serão fornecidos, em breve, na merenda escolar do município.
Açaí Miriense, último local de visita, é uma fábrica de beneficiamento de açaí, localizada no município de Igarapé-Miri, com capacidade de produção de 2.000 latas/dia, congelamento de 24.000kg/dia e armazenamento de 300.000 kg. Os alunos conheceram de perto as etapas de produção, seguido de degustação do produto na fábrica.
Raimundo Lobato, discente do PPGEDAM, participou da visita técnica e avalia a atividade como essencial na formação dos alunos. Segundo ele, do ponto de vista das diferentes práticas de uso e aproveitamento dos recursos naturais, a visita "foi extremamente importante na formação profissional. Podemos vivenciar e compreender as demandas sociais das comunidades tradicionais que foram visitadas. No caso das indústrias, dos projetos e das cooperativas, a forma como atuam, entendem e praticam a sustentabilidade, tenta buscar e encontrar saídas para os desafios que enfrentam no dia a dia, na linha de produção. No caso dos pequenos produtores rurais, as formas como trabalham os recursos naturais de maneira sustentável para garantir qualidade de vida, tanto para as populações locais como para os pequenos produtores individuais", comenta o mestrando.
Como complemento da atividade, os alunos devem apresentar relatório síntese da visita, de maneira crítica, abordando a importância dos aprendizados para a formação e construção de seus respectivos trabalhos de dissertação de Mestrado.
Em 11 anos de PPGEDAM, municípios de diferentes regiões já integraram a rota de visita dos mestrandos, tais como Cachoeira do Arari, Canaã dos Carajás, Marabá, Marapanim, Paragominas, Parauapebas, Tomé-Açu, Tucuruí e Laranjal do Jari.
Texto e fotos: Beatriz Aviz (Relações Públicas – NUMA/UFPA)