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TAMANHO DA FONTE

Programa de Pós-Graduação em Letras inaugura obras de And Santtos

O prédio que abriga o Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Pará (PPGL/UFPA) também se configura agora em um espaço em que pulsa a ancestralidade indígena. Os murais externos Manto Tupinambá e Território Mairi, a já inaugurada Sala Verônica Tembé, no térreo, e o mural Jacei Tatá Tupinambá (Céu Tupinambá), no primeiro andar do PPGL, foram pintados, ao longo do primeiro semestre, pelo artista paraense And Santtos. A inauguração dos murais ocorrerá no próximo dia 30 de agosto, às 16h.

Para a coordenadora do PPGL e do Grupo de Estudo Mediações, Discursos e Sociedades Amazônicas (Gedai), Ivânia dos Santos Neves, é uma oportunidade de pluralizar ainda mais a Universidade, que, há bem pouco tempo, com o início da política de cotas, possibilitou a entrada de indígenas. 

“Aqui, no PPGL, a presença indígena é visibilizada de forma múltipla, tanto política como esteticamente. Das nossas linhas de pesquisa às nossas paredes, temos compromisso com os povos indígenas da Amazônia. Para nós, é uma felicidade trazer a ancestralidade indígena, por meio da arte, no espaço da Universidade. No PPGL, estabelecermos as cotas e a presença das nossas doutorandas indígenas, Márcia Kambeba e Jucicleide Pereira (Whapichana), nos abre a oportunidade para pensar sobre a presença dos saberes indígenas dentro da nossa universidade”, avalia.

And Santtos e o Odivelismo – O artista visual And Santtos é autodidata, nascido no município de São Caetano de Odivelas, no Pará. Teve sua infância à beira do Mojuim, rio que banha sua cidade natal, onde passou a maior parte de sua adolescência produzindo, abrindo letras em canoas e barcos. Mas iniciou seu interesse pela arte quando começou a usar as trinchas, sprays, tintas e pincéis, em telas, painéis, fachadas de comércios, barcos de pesca, cenários e muros urbanos, identificando suas próprias técnicas e linguagem.

O estilo poético e colorido de seus painéis e telas que retratam, de maneira original, o imaginário popular levou-o a criar o Odivelismo, trabalho de pesquisa em que lança um olhar sobre os sujeitos e sujeitas amazônicos, com base na ancestralidade indígena. O Odivelismo apresenta a linguagem totalmente livre de pensamentos e espontâneo, com uma rica composição de cores e elementos regionais. A inspiração está associada às raízes e ao cotidiano do artista que faz referência ao “Boi de máscaras”, tradicional manifestação cultural da cidade de São Caetano de Odivelas.

Fotografia de perfil do artista And Santtos. Ele usa um boné preto, ocúlos escuros de armação preta e veste camisa verde.

“É emocionante trazer este trabalho sobre algo que não falávamos muito, há algum tempo, as nossas raízes, a nossa ancestralidade. Para mim, como artista, fui contemplado em fazer esse Manto Tupinambá aqui, no prédio do PPGL, por meio de uma pesquisa da professora Ivânia, que me colocou nesse universo, no qual eu ainda não tinha me autorreconhecido. Se a gente está hoje, aqui, contemplando tudo isso, através de um coletivo, de uma somatória, é porque nós reconhecemos realmente esse território como Mairi. E esse território é nosso, a preservação tem que partir daqui e não de fora, nós temos, sim, que fazer a nossa voz como preservação, em todos os sentidos, ambiental, cultural, social, em todos os patamares”, afirma And Santtos.

Território Mairi – Mairi era a denominação indígena para a região constituída hoje pelos estados do Pará, Maranhão, Amapá e Amazonas antes da invasão europeia. O enunciado Mairi é indígena, do Tupi antigo, e trata-se do local em que viviam os filhos de Maíra, principal ancestral do Tupinambá. Assim, para muitos povos indígenas, o sagrado estava e está relacionado à Maíra, ancestral responsável pela criação de rios, floresta, homens, mulheres e todo tipo de saberes.

“Desde 2019, a gente vem falando de Mairi, com pesquisa, publicação de artigos, documentários, apresentações artísticas, realização de eventos que possibilitem conhecermos mais detalhes sobre a nossa ancestralidade indígena. Recentemente, durante a realização da SBPC na UFPA, o Gedai apresentou a roda de conversa ‘Mairi e o Manto Tupinambá: a ancestralidade indígena em Belém’. No mesmo evento, havia uma tenda chamada ‘Mairi’. Nós já tivemos projetos da prefeitura intitulados ‘Mairi’, e agora temos o ‘Território Mairi’ na parede externa do nosso prédio”, enfatiza Ivânia Neves.

Manto Tupinambá – O Assojaba Tupinambá (Manto Tupinambá) é uma vestimenta sagrada, utilizada em rituais e composta por penas de aves nativas como o guará. A indumentária representa, para o povo Tupinambá, uma confluência entre a dimensão espiritual (os Encantados e os antepassados), o meio ambiente, a economia e a agroecologia e a transmissão de saberes. Para além do significado histórico, o Manto também traz em si uma importância para o contexto atual, uma vez que a sua forte presença identitária garante a permanência da cultura, memória e cosmologia do povo Tupinambá a cada geração, expressando o protagonismo indígena em suas produções, rituais e tradições. 

A ideia para o mural surgiu da pesquisa desenvolvida pela professora Ivânia Neves sobre o território Mairi, que teve início nas manifestações culturais do Círio de Nazaré de 2023, quando os cortejos culturais do Auto do Círio e do Arrastão do Círio fizeram referência ao território Mairi e ao Manto Tupinambá, com apresentações artísticas, que culminaram com uma encenação da subida do Manto Tupinambá ao céu. Hoje, as poucas unidades do Manto que ainda existem estão, em grande maioria, em museus europeus. Mas, em julho de 2024, o primeiro Manto Tupinambá registrado retornou para o Brasil, após ser devolvido pela Dinamarca.

Jacei Tatá Tupinambá – Os povos indígenas eram profundos conhecedores do céu. Em vários relatos dos primeiros cronistas e religiosos europeus no continente americano, há registros desses saberes.  Mesmo quando consideravam os indígenas de “mentalidade inferior”, reconheciam, surpresos, a precisão com que identificavam as estrelas, as constelações e os diversos fenômenos astronômicos. Suas cosmologias, inclusive, desafiavam e encantavam os olhos europeus.  

Em 1614, o frade capuchinho francês Claude D’Abbeville esteve na região e fez um minucioso registro do céu Tupinambá em sua obra intitulada Histoire de la mission des pères capucins en l’isle de Marignan et terres circonvoisines où est traicté des singularitez admirables & des moeurs merveilleuses des indiens habitans de ce pais. Graças a ele e aos estudos comparativos de astronomia cultural, é possível reconstituir a localização de parte das constelações Tupinambá. Em suas anotações, feitas em francês e na língua Tupinambá, D’Abbeville indicou os nomes e as regiões onde elas estavam situadas no céu ocidental conhecido naquele momento histórico.

“Jacei Tatá, em Tupinambá, significa estrela, por isso escolhemos esse título para a obra de And Santtos aqui exposta. Jacei Tatá Tupinambá, traduzido para o português, significa O Céu Tupinambá. Na parte central da pintura, está o céu verossímil, visível em Belém; no lado esquerdo, as constelações do sul celestial; e no direito, as do norte celestial. Nas laterais, os registros de estrelas e constelações feitos por D’Abbeville, não localizados no céu”, explica Ivânia Neves. 

Quem desejar visitar as obras que serão inauguradas poderá visitar o prédio que abriga o Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL/UFPA), localizado no Campus Básico, próximo ao Espaço Ver-o-Pesinho.

TEXTO: Camille Nascimento - PPGL/UFPA

FOTOS: Divulgação Gedai

Relação com os ODS da ONU:

ODS 4 - Educação de Qualidade

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