Professora. É assim que Maria Annunciada Ramos Chaves se definia profissionalmente, conforme consta em seu currículo, publicado pelo amigo Clóvis Silva de Moraes Rego, no livro Subsídios para a história do Colégio Estadual Paes de Carvalho, embora tenha se destacado em várias atividades, entre as quais, jurista, jornalista, conferencista, bibliófila, servidora pública, editora, diretora e proprietária de colégio, intelectual da cultura e, evidentemente, professora. O destaque dado ao magistério em sua vida profissional talvez se explique pela paixão à docência, atividade que, efetivamente, abraçou quando era estudante do curso de Direito, aos 18 anos, e nela permaneceu até a aposentadoria, em 1977.
Maria Annunciada Chaves, a terceira mulher homenageada com o título honorífico de Professora Emérita da UFPA, foi docente de História e Geografia dos principais colégios particulares de Belém, catedrática do tradicional Colégio Estadual Paes de Carvalho, fundadora da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras e professora titular da cadeira de História do Brasil, da Faculdade de História, da UFPA. Ao todo, foram mais de seis décadas de atuação como docente, além das atividades administrativas que exerceu, ligadas à educação, como a Sub-Reitoria de Assuntos de Extensão e de Natureza Estudantil, da UFPA, equivalente ao atual cargo de pró-reitor, durante sete anos (1970-1977), nas gestões dos reitores Aloysio Chaves (1969-1973) e Clóvis Malcher (1973-1977), o que a tornou uma das primeiras mulheres a fazer parte da alta cúpula universitária no tempo da ditadura.
Nascida em 16 de dezembro de 1915, no seio de uma família tradicional e abastada de Belém, Annunciada Chaves foi a primogênita do casal Maria D’Ascensão Ramos Chaves e Joaquim Chaves, a mãe professora, o pai contador. Teve três irmãs. A família residiu numa casa da Vila Bolonha, hoje parte do Conjunto Arquitetônico do Palacete Bolonha, na avenida Governador José Malcher, atualmente abrigando a Sociedade Médico-Cirúrgica do Pará. Aos 25 anos, ela se mudou para o casarão nº 921, da avenida Rui Barbosa, esquina com a Boaventura da Silva, onde viveu até a morte, em 2006, aos 90 anos. Na casa, Annunciada instalou sua biblioteca, que, ao final da vida, tinha em torno de 20 mil livros, constituindo-se numa das maiores bibliotecas privadas de Belém.
Segundo Smile de Souza, autora da dissertação Professora Maria Annunciada Chaves: contribuições para a História do Brasil e ao ensino de História no contexto nacional-desenvolvimentista, Annunciada teve uma formação escolar que mesclava o acesso às obras clássicas e o domínio de vários idiomas desde a infância, “o que demonstra sua privilegiada condição social”. Estudou no Colégio Moderno, ao qual retornaria, anos depois, como professora, diretora e proprietária.
Smile observa que, nas décadas de 20 e 30, “o ensino secundário era caracterizado como um amálgama entre as disciplinas científicas, que atendiam ao ideário industrial e imperialista que se propagava na Europa, na América e no Brasil, e as provenientes da tradição clássica, que propunha uma formação desprovida de qualquer utilidade imediata, mas era, por intermédio dela, que se adquiriam marcas de pertença a uma elite”. Por determinação da reforma educacional de 1925, por exemplo, os alunos do ensino secundário de escolas privadas tinham de se submeter à avaliação em colégio equiparado ao Colégio Pedro II, do Rio de Janeiro. Assim, a adolescente Annunciada teve o primeiro contato com o Colégio Paes de Carvalho, o único a atender àquele requisito.
Contrariando princípios positivistas que recomendavam às mulheres o estudo na Escola Normal para se tornarem professoras do curso primário, Annunciada optou pelo ensino superior e, aos 16 anos, ingressou na Faculdade Livre de Direito do Pará. Mesmo tendo recebido nota máxima em todas as disciplinas, a menor idade exigia que apresentasse uma carta escrita pelo pai autorizando sua matrícula no semestre seguinte, segundo conta Elisângela da Costa, no artigo “Rememorando as antigas livrarias de Belém do Pará”. Quando cursava a 3ª série do curso jurídico, ela ingressou no mercado de trabalho, ao lecionar as disciplinas História e Geografia no Colégio Moderno (1934 – 1952), depois no Instituto Gentil Bittencourt (1937 – 1941), no Colégio Santa Rosa (1939 – 1943) e no Colégio Estadual Paes de Carvalho, no qual entrou por concurso público, tornando-se professora titular.
Premiada e reconhecida – Em 1936, Annunciada concluiu o curso superior e se fez bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, ocasião em que recebeu a Láurea e o Prêmio Teixeira de Freitas da Faculdade de Direito do Pará. Ela atuou por quatro anos na carreira jurídica, tempo em que percebeu um certo preconceito masculino com as mulheres advogadas, como contou à jornalista Daniela Damaso, em depoimento colhido em 1977. Mesmo tendo consciência de que poderia se destacar na advocacia, ela confessou estar definitivamente apaixonada pelo magistério. Assim, seguiu em frente, atuando na formação intelectual e profissional de várias gerações.
Segundo Smile de Souza, aquela paixão a fez romper com paradigmas sobre a condição da mulher nos anos 1930. Annunciada não se casou nem teve filhos. Optou por trabalhar fora de casa desde os 18 anos de idade. A cátedra no Colégio Paes de Carvalho foi conquistada por meio da apresentação da tese O açúcar na História do Brasil, em 1952. Era o ponto de partida para uma vasta produção de artigos acadêmicos e jornalísticos apresentados em congressos, simpósios, debates, aulas inaugurais ou publicados nos jornais de Belém, focados, quase sempre, na história regional e nacional.
Ela também se dedicou intensamente à cultura amazônica, tendo sido reconduzida à presidência do Conselho Estadual de Cultura por vários anos. Foi membro de importantes instituições, com destaque ao Instituto Histórico e Geográfico do Pará e à Academia Paraense de Letras. Na UFPA, Annunciada Chaves marcou época como diretora do Departamento de Educação e Ensino, professora titular de História do Brasil, fundadora da Faculdade de História e sub-reitora de Extensão. Seu currículo registra um total de 92 títulos, entre diplomas, medalhas e placas, distinções que homenageiam o saber, a erudição e o trabalho desenvolvido em prol da educação e da cultura no estado do Pará.
Meninas e Mulheres na Ciência – Esta matéria integra a série comemorativa ao Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, comemorado em 11 de fevereiro. A data foi criada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e pela Organização das Nações Unidas (ONU) como forma de reconhecer o papel fundamental exercido pelas mulheres e pelas meninas para o desenvolvimento da ciência no mundo.
A homenagem é um marco para a promoção do acesso à ciência de maneira igualitária, buscando, dessa forma, incentivar que mais mulheres e meninas avancem em suas carreiras científicas contrariando qualquer estereótipo de gênero. Além de ser uma prioridade global da agenda da Unesco, esta ampliação da participação das mulheres na ciência é também um fator imprescindível para que novas perspectivas sejam analisadas e a criatividade se desenvolva ainda mais nas diferentes áreas de estudo.