Meninas e Mulheres na Ciência: Violeta, a flor da Sociologia na Amazônia

Todo dia, ela faz tudo sempre igual. Acorda por volta das 7h, rega as plantas das floreiras, coloca comida nas janelas para os passarinhos de rua, toma o café da manhã, checa o que está faltando em casa, verifica se há algo para consertar (uma torneira, uma lâmpada, algo do gênero), vai à academia ou caminha pela praça Batista Campos. Após esse ritual, volta para casa e trabalha no seu gabinete. Os afazeres são muitos: pesquisa, leitura de relatórios das(os) alunas(os), preparação de palestras, resposta a e-mails etc. Duas vezes por semana, faz conversação em inglês à tarde – o que sempre é seguido de uma ida com amigas a uma cafeteria. Nos demais dias, lê e escreve até a hora do jantar. Quando há alguma folga, assiste a um filme.

“Para muita gente, essas atividades podem parecer monótonas e chatas, mas eu adoro viver desse modo e sou feliz assim, faço essas coisas com prazer”, afirma a socióloga Violeta Refkalefsky Loureiro, de 81 anos. Ela foi a quarta mulher laureada com o título de professora emérita da Universidade Federal do Pará (UFPA), conforme decisão do Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão (Consepe/UFPA), de 25 de junho de 2015

Violeta Loureiro graduou-se em Ciências Sociais pela UFPA, em 1969. Fez Mestrado em Sociologia na Universidade Estadual de Campinas, em  1985, Doutorado em Sociologia no Institut des Hautes Etudes de l’Amérique Latine (Paris), em 1994, e estágio Pós-Doutoral no Instituto de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (Portugal), em 2006. Além do magistério superior, desempenhou funções de gestão no Instituto de Desenvolvimento Econômico-Social do Pará, de 1987 a 1991; na Secretaria de Estado de Educação do Pará, de 1996 a 2000; e no Conselho Estadual de Educação do Pará, de 1998 a 2006.

Atualmente, exerce a docência, de forma voluntária, na Faculdade de Ciências Sociais, no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e no Programa de Pós-Graduação em Direito, vinculados ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH/UFPA) e ao Instituto de Ciências Jurídicas (ICJ), nesta ordem. Seus mais recentes trabalhos são os livros Amazônia, colônia do Brasil e Caminhos e descaminhos da Amazônia em busca do desenvolvimento (em dois volumes), ambos publicados pela Editora Valer (Manaus).

Fotografia posada da professora Violeta Loureiro. Ela é uma mulher branca, de cabelos curto castanho claro, usa um vestido azul com cinto e colar vermelhos. Ela usa sapatos vermelhos e está sentada em uma poltrona de madeira e estufado marrom. Ao lado da professora, há uma mesa de madeira com dois livros vermelhos.

Primeiras lições, duras lições – Segundo a professora emérita da UFPA, a Sociologia encontrou-a ainda na sua adolescência, quando vivia em Petrópolis. “Um dia, ao voltar do colégio, deparei-me com os operários da tecelagem que ficava ao lado da nossa casa, amotinados, com megafones, na calçada e ocupando a rua em frente à pequena fábrica. Perguntei o que estava acontecendo. Um rapaz explicou-me que o dono da fábrica havia trocado os teares que faziam cobertores de solteiro por teares maiores que fariam cobertores de casal. Não entendi. ‘Então, não é melhor fabricar um cobertor grande do que um pequeno?’ Ele explicou: ‘Melhor para o dono. Antes, nós ficávamos em pé, parados em frente ao tear e podíamos alcançá-lo de ponta a ponta, sem sair do lugar. Assim, corrigíamos um nó, um fio solto ou quebrado. Agora, corremos de ponta a ponta do tear durante toda a jornada de trabalho, porque ele é bem maior e nossos braços não alcançam suas pontas. Não tivemos aumento algum de salário e continuamos com a mesma jornada de trabalho de 8 horas’. Naquele momento, aquele jovem operário militante rompeu a bolha cor-de-rosa de classe média em que eu vivia. A pobreza do mundo deixou de ser ‘natural’. Graças àquele rapaz, comecei a perceber a complexidade da vida social e do mundo em que eu vivia. Naquele momento, minha trajetória profissional como socióloga estava definida”, disse.

Ainda assim, o percurso de Violeta Loureiro foi atravessado pelo contexto sócio-histórico mais amplo, como a ditadura militar no Brasil (1964-1985). “Até hoje, as mulheres têm mais dificuldades do que os homens em estruturar uma carreira profissional e terem sucesso nela. No caso das pessoas da minha geração, as condições eram agravadas pela ditadura militar, o que gerava uma enorme insegurança financeira e afetiva. Tudo era muito cinza e instável. Na minha família, meu irmão mais velho, meu segundo irmão e minha irmã foram presos, acusados de serem ‘comunistas’, quando, na verdade, as(os) comunistas eram muito raras(os), o que quase todas(os) as(os) militantes de esquerda faziam era, simplesmente, defender os direitos humanos. Meu marido (o poeta João de Jesus Paes Loureiro) foi preso por cinco vezes, eu era vigiada no meu trabalho e, muitas vezes, sofri ameaças”, relembra.

Não obstante os revezes da vida, a socióloga garante que produzir conhecimento científico sobre/na região amazônica vale a pena. “A Amazônia é um tesouro inesgotável de vida, natureza, beleza e multiculturalidade. A pesquisa é algo que requer paciência, perseverança, curiosidade investigativa, amor pelo objeto de estudo. Não dá dinheiro para quem pesquisa, mas deixa o(a) pesquisador(a) feliz. Na pior das hipóteses, se a pessoa não tiver sucesso no que buscava descobrir, terá a honra de conhecer uma das mais belas e multiculturais regiões do mundo”, afirma. 

Entre os tantos livros que lê e escreve, Violeta Loureiro recomenda A distinção, de Pierre Bourdieu. “Este livro fez-me compreender que a cultura é vital não apenas para a sociedade, mas também para vida e a felicidade pessoal. Bourdieu expõe a importância do capital cultural para as pessoas que não dispõem de capital econômico e financeiro – como a maioria de nós. O capital cultural é aquele aprendizado que a escola e a universidade dão, mas vai além disso: consiste no domínio da língua materna, na capacidade de falar corretamente, escrever e falar a língua considerada culta, dominar uma língua estrangeira, conhecer arte etc. Essas capacidades são preciosas e, embora os jovens nem sempre compreendam isso, elas facilitam os relacionamentos sociais, dão uma imagem positiva da pessoa e abrem portas, ajudam nas carreiras”, diz. 

“Hoje em dia, há muito conhecimento disponível e de fácil aquisição, que permite ampliar o capital cultural, seja via internet, bibliotecas e/ou livros em geral. Creio que o capital cultural é, talvez, o único caminho para fazer uma carreira útil e gratificante”, completa.

Fotografia posada da professora Violeta Loureiro. Ela é uma mulher branca, de cabelos curto castanho claro, usa um vestido azul com cinto e colar vermelhos. Ela usa sapatos vermelhos e sorri. Ao lado da professora, há uma mesa de madeira com dois livros vermelhos. O fundo da foto é escuro, em tons que variam do preto ao cinza mais escuro.

Um amor, um lugar – A produção científica de Violeta Loureiro é referência na área de Sociologia do Desenvolvimento das Ciências Sociais, sobretudo nos seguintes temas: Amazônia, Desenvolvimento e Conflitos. Desde os anos 1970, a socióloga percorre o interior amazônico em busca de respostas para as suas questões de pesquisa – o que evidencia o seu pioneirismo e a sua ousadia. “Eram poucas as mulheres que viajavam pelo interior da Amazônia naquele tempo. Era uma época em que não havia hotéis na maioria dos municípios e, para fazer pesquisa, a gente dormia em casa de padres, de agentes da pastoral, em casa de colonos etc.”, relata.

As paisagens amazônicas favoritas da professora emérita da UFPA são os “grandes e caudalosos rios em suas cores fantásticas – rios de águas verdes, barrentas, negras ou cristalinas”, com destaque para o rio Trombetas, “com seus ‘tabuleiros’ (praias), onde as tartarugas desovam nas areias alvas e finas”. Da mesma forma, o Arquipélago do Marajó tem um lugar reservado no coração de Violeta: “Adoro o Marajó. Lá, quando você tem a sorte de ver uma revoada de guarás enchendo o céu com suas plumagens vermelhas, você não esquece da cena nunca mais; é a beleza da Amazônia explodindo no céu.”

Inspirada por esse amor, em março de 2025, em Manaus, será lançado Travessia – uma vida entre a Amazônia e o mundo, sob o selo da Valer. “Embora seja um livro de memórias e um relato em que a vida vai se desenrolando paralelamente às mudanças que a região vivenciou ao longo das décadas, são vidas cruzadas – a da Amazônia e a minha”, explica a autora, que, no momento, também trabalha em outra obra, desta vez, bilíngue (português e inglês), intitulada A floresta em pé: utopia ou possibilidade?, que deverá ser lançada próximo à Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP 30), prevista para ocorrer em novembro deste ano, em Belém. “Ou seja, não há vazios a preencher”, comenta. Que sorte a nossa!

Meninas e Mulheres na Ciência – O Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, comemorado em 11 de fevereiro, é uma data criada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e pela Organização das Nações Unidas (ONU) como forma de reconhecer o papel fundamental exercido pelas mulheres e pelas meninas para o desenvolvimento da ciência no mundo.

A data configura-se como um marco para a promoção do acesso à ciência de maneira igualitária, buscando, dessa forma, incentivar que mais mulheres e meninas avancem em suas carreiras científicas contrariando qualquer estereótipo de gênero. Além de ser uma prioridade global da agenda da Unesco, essa ampliação da participação das mulheres na ciência é também um fator imprescindível para que novas perspectivas sejam analisadas e a criatividade se desenvolva ainda mais nas diferentes áreas de estudo.

Leia mais:

TEXTO: Thays Braga - Assessoria de Comunicação Institucional da UFPA

FOTOS: Alexandre de Moraes

Relação com os ODS da ONU:

ODS 4 - Educação de QualidadeODS 5 - Igualdade de Gênero

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