“E se somos Severinos / iguais em tudo na vida, / morremos de morte igual, / mesma morte severina: / que é a morte de que se morre / de velhice antes dos trinta, / de emboscada antes dos vinte, / de fome um pouco por dia / (de fraqueza e de doença / é que a morte Severina / ataca em qualquer idade, / e até gente não nascida)”. A adaptação cênica do poema Morte e Vida Severina, de João Cabral de Mello Neto (1920-1999), representa um dos pontos altos na trajetória da diretora teatral Maria Sylvia Ferreira da Silva Nunes (1930-2020).
Segundo consta em Daquela estrela à outra: cartas a Maria Sylvia Nunes (Guardaletras, 2021), organizado pelo casal Andrea e Nelson Sanjad, a peça estreou no I Festival Nacional de Teatro de Estudantes, em julho de 1958, em Recife (PE), no qual conquistou os prêmios: Melhor Intérprete Masculino (Carlos Miranda), Melhor Música (Waldemar Henrique), Melhor Autor (João Cabral de Mello Neto) e Melhor Espetáculo do Norte. Para os organizadores do livro, a diretora teatral “não era do palco, mas dos bastidores, da coxia, de onde gostava de ver (e, se possível, dirigir) a cena que o público apreciava”.
Escrito nas estrelas – Maria Sylvia Nunes foi a quinta mulher a quem o Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão da Universidade Federal do Pará (Consepe/UFPA) concedeu o título de professora emérita, conforme decisão de 17 de abril de 2019. Nascida em 7 de janeiro de 1930, em Belém, cursou o ensino primário e secundário integralmente no Colégio Moderno – que se diferenciava das demais escolas da capital por preconizar o ensino laico e por compor turmas mistas, sem distinção de gênero. No ensino fundamental (antigo ginásio), conheceu Benedito José Vianna da Costa Nunes (1929-2011) e tornou-se amiga dele, envolvendo-se em movimentos literários e culturais de Belém. A diretora teatral colaborava especialmente com a irmã dela, Angelita Silva (1916-1996), no Teatro de Estudantes do Pará.

Em 1948, Maria Sylvia e Benedito ingressaram na Faculdade de Direito do Pará. Pouco tempo depois, começaram a namorar. Casaram-se em 10 de dezembro de 1952, poucos dias após a formatura. Viveram por dois anos na casa dos pais dela e, em 1954, mudaram-se para a casa de Angelita Silva, na Travessa da Estrella. Em depoimento à obra Daquela à outra estrela, a diretora do Museu da UFPA, professora Jussara Derenji, afirma que a casa da Estrella sediava “encontros de amantes de poesia, de filmes, de teatro, em reuniões anuais ou apenas periódicas, de uns poucos ou de meia multidão”, os quais “traziam um quê de reconhecimento entre seus frequentadores, algo como sentir-se parte de um sentimento de afeto por Maria Sylvia e pelo professor Benedito, mesmo quando este estava ausente.”
Na descrição de Derenji, a casa era “feita à medida para moradores que tinham múltiplos interesses, que iam se mostrando ao ocupar estantes e escaninhos, subindo paredes, cobrindo mesas e móveis com fotos, obras de arte e pequenos objetos raros ou prosaicos”. A beleza do jardim, com a roseira branca de Benedito Nunes, as trepadeiras que ultrapassavam os muros e as orquídeas florindo sobre mesas na varanda também saltavam aos olhos do seleto (e sortudo) grupo de frequentadores da casa da Estrella, bem como os gatos, o cachorro e os passarinhos – sempre livres. “Uma casa com vida. Uma vida serena, alimentada pelo sorriso maroto de Maria Sylvia, aqueles olhos que eram cúmplices do que ela falava e, talvez ainda mais, do que não dizia. E a franja, a marca, o distintivo dela”, afirma a diretora do MUFPA.
Um sonho atravessado pela dura realidade – O trabalho de Maria Sylvia como diretora teatral levou-a por seis meses, entre 1959 e 1960, a Paris, onde se aprofundou no conhecimento das artes cênicas. Em 1962, esteve à frente da proposta apresentada ao então reitor da UFPA, professor José Rodrigues da Silveira Netto (1960-1969), para a criação de uma Escola de Teatro. As atividades iniciaram-se ainda naquele ano, com um Curso de Iniciação Teatral. Com o sucesso do vestibular, no ano seguinte foi criado o Serviço de Teatro, sob a direção geral de Benedito Nunes, ao qual estavam vinculados o Curso de Formação de Ator, um cineclube e a equipe de produção de espetáculos – que permaneceu sob a coordenação de Maria Sylvia até 1967. Este ano marcou a criação do Teatro Estável da Cidade de Belém, do qual participavam professoras e as(os) diplomadas(os) da primeira turma de Serviço de Teatro. No entanto apenas um espetáculo foi produzido pela companhia, pois a situação política do Brasil rapidamente se deteriorou em decorrência da ditadura militar (1964-1985).
Maria Sylvia e Benedito Nunes partiram para a França novamente em agosto de 1967 e retornaram ao Brasil somente em julho de 1969. O segundo período no exterior foi penoso para o casal e, de volta a Belém, a diretora teatral não voltou para o mundo dos espetáculos, dedicando-se exclusivamente ao magistério superior. Neste período, adquiriu livros e discos, bem como se aprofundou ainda mais no estudo das artes cênicas – porém de maneira particular.


O renascimento da estrela – O regresso de Maria Sylvia à vida pública só foi possível após o fim do período ditatorial no Brasil. Em 1986, ministrou aulas públicas na UFPA e organizou uma exposição sobre a história do Serviço de Teatro, com fotografias, cartazes e recortes de jornal. No ano seguinte, reassumiu a produção teatral com a montagem de A Casa da Viúva Costa pelo Grupo de Teatro Universitário da UFPA. Deste período em diante, passou a ser frequentemente requisitada para desenvolver produções artísticas e projetos administrativos – a exemplo do envolvimento na criação da Orquestra Sinfônica do Theatro da Paz, em 1996.
Para Andrea e Nelson Sanjad, este segundo ciclo profissional de Maria Sylvia durou mais de 30 anos, num crescendo de ritmo e complexidade. “Vemos uma artista e professora mais madura e experiente, assumindo desafios grandiosos, como dirigir a cena de um espetáculo musical com solistas, coro, atores, bailarinos e orquestra”. Segundo afirmam, a diretora teatral permanecia fiel ao ideal que a movia no início da carreira: “conectar a formação do artista, mediante o estudo e a experiência, com a formação do público, mediante a montagem de bons espetáculos”.
Entre os muitos reconhecimentos que obteve em vida, além do título de professora emérita da UFPA, Maria Sylvia Nunes teve o seu nome associado ao teatro inaugurado no complexo turístico Estação das Docas, em 2000. Faleceu em 5 de março de 2020, aos 90 anos. O poeta Age de Carvalho eternizou o adeus à diretora teatral em Vida toda viagem: “Ainda agora / te vejo / dando início ao dia / na Estrella, / o tanto que ainda / havia por aviar, / se faina de feira ou farinha / de outra fome e metafísica / na lista (…) / Obrigado. / Agora, de-viagem, / com uma última palavra-bené / fica, te vais.”
Meninas e Mulheres na Ciência – O Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, comemorado em 11 de fevereiro, é uma data criada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e pela Organização das Nações Unidas (ONU) como forma de reconhecer o papel fundamental exercido pelas mulheres e pelas meninas para o desenvolvimento da ciência no mundo.
A data se configura como um marco para a promoção do acesso à ciência de maneira igualitária, buscando, dessa forma, incentivar que mais mulheres e meninas avancem em suas carreiras científicas contrariando qualquer estereótipo de gênero. Além de ser uma prioridade global da agenda da Unesco, essa ampliação da participação das mulheres na ciência é também um fator imprescindível para que novas perspectivas sejam analisadas e a criatividade se desenvolva ainda mais nas diferentes áreas de estudo.