Meninas e Mulheres na Ciência: Ana Tancredi e o legado Teórico-Prático de Bem Educar

“O que a vida quer da gente é coragem”, imortalizou, no livro Grande Sertão Veredas, o mineiro João Guimarães Rosa, em 1956. Dez anos depois, Ana Maria Orlandina Tancredi pisava a Universidade Federal do Pará (UFPA) pela primeira vez. Filha de Giuseppe e Agnese Regina, nascida em uma localidade chamada Paraná de Dona Rosa, em Juruti, a menina Ana iniciava o curso de Licenciatura Plena em Pedagogia na UFPA. Era o começo de uma trajetória marcada por inúmeras experiências, transformações e ensino-aprendizado. Não só. Acompanhada de perto por desafios e adversidades inúmeras, o que lhe exigiria coragem.

Décima e mais recente mulher laureada com o título de Professora Emérita pelo Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão (Consepe/UFPA), conforme Resolução de 19 de setembro de 2024, Ana Tancredi tem seu trabalho diretamente ligado a um dos maiores predicados da UFPA hoje: a sua presença em mais de 80 municípios paraenses por meio de 12 campi.

“A   Ana entendeu os ensinamentos de Paulo Freire, de que a educação não transforma a realidade, mas sim que a educação muda as pessoas e estas transformam o mundo. Mas, para desenvolver essa educação, é preciso coragem. Coragem para enfrentar o pessimismo, a descrença, os obstáculos, as críticas e até mesmo as zombarias. É preciso coragem para saber sonhar o quase sonho impossível. A Ana nunca escolheu o lado fácil, o que já estava dado, o previsível”, destaca a docente Olgaíses Maués, responsável pela mensagem de saudação declamada na cerimônia de outorga do título da professora emérita que inspira o início desta reportagem.

Trilha acadêmica e compromisso social – Munida de coragem, Ana Tancredi obteve o título de mestre em Ciências da Educação Psicopedagógica pela Universidade de Turin, em 1976, defendendo o estudo intitulado Educação no Estado do Pará: problemas e perspectivas, cujos resultados evidenciaram a relação estreita entre a educação paraense e a sociedade capitalista. Em 2006, concluiu o doutorado em Educação, na Universidade Estadual de Campinas, com a tese Políticas Nacionais de Educação Infantil: Mobral, Educação Pré-Escolar e a Revista Criança.  “Os títulos dos seus trabalhos de conclusão, dissertação e tese anunciam suas preocupações e, mais do que isso, seu compromisso com a educação crítica, transformadora”, destaca Olgaíses Maués.

A carreira como docente na UFPA teve início em 1979. Assumiu a Pró-Reitoria de Ensino de Graduação e Administração Acadêmica em 1985 – cargo que lhe permitiu coordenar a implantação do Projeto de Interiorização da UFPA. “Foi uma época de grande atividade e de intensas discussões, tanto no interior da Universidade como nos diferentes municípios que demandavam a implantação de cursos superiores”, diz Tancredi sobre outro período em que, mais uma vez, a coragem foi companheira.

Fotografia da professora emérita Ana Tancredi. Ela está em pé ao lado de uma mesa de madeira com dois livros de capa vermelha. A professora é branca, tem cabelo curto liso e veste um vestido azul.

“A UFPA vivia uma greve e nenhuma etapa do concurso vestibular poderia deixar de ser cumprida, sob pena de o primeiro vestibular do Projeto de Interiorização não se realizar. Havia, então, chegado o momento de imprimir as provas. O que fazer? Solicitamos o auditório da Delegacia do MEC e lá montamos nosso gabinete de trabalho, composto por professores e um técnico administrativo que se revezavam para vigiar as provas, rodá-las no mimeógrafo, catalogá-las, grampeá-las, organizá-las, empacotá-las e fazerem a distribuição nos locais em que seria realizado o concurso”, orgulha-se a homenageada, que faz questão de nominar a equipe envolvida no episódio: “professores Ana de Jesus Rodrigues, Catarina Maria Ignez Regina Tancredi, Luís Sérgio Guimarães Cancela e o responsável pelo Laboratório de Física, servidor técnico-administrativo Paulo Sérgio da Silva Correa”.

A partir daí, a UFPA passou a ofertar cursos de Licenciatura Plena em Geografia, História, Letras, Matemática e Pedagogia em oito campi, além de Belém (Abaetetuba, Altamira, Bragança, Castanhal, Cametá, Marabá, Santarém e Soure). Também do Projeto de Interiorização da UFPA, foram criadas duas Universidades Federais no Estado do Pará: a do Oeste do Pará (Ufopa) e a do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa).

Transformações pela Educação – Ana Tancredi destacou-se igualmente em cargos de gestão do atual Instituto de Ciências da Educação (Iced/UFPA). Foi coordenadora de curso, chefe de departamento, diretora de centro, diretora de faculdade e  diretora de instituto.

Na década de 1990, empenhou-se na formação/capacitação das(os) docentes, estimulando e liberando as(os) que compunham o quadro permanente para irem em busca do título de mestre ou doutor. “Foi um ato extremamente corajoso, pois a saída de cada professora/professor exigia a contratação de um docente substituto, o que não era nada fácil, visto que implicava a existência de recursos financeiros. Mas, graças a essa coragem e ousadia, a qualificação docente se ampliou e se instalou, permitindo que hoje cerca de 90% das professoras e professores do Iced sejam doutoras e doutores”, comemora.

O trabalho na Cidade de Emaús é outra contribuição de relevo de Ana Tancredi, visto que evidencia muito da sua concepção de educação e do trabalho com “a criança pequena”, como gosta de dizer. O envolvimento com a causa partiu do padre Bruno Sechi (1939-2020), fundador do Movimento República de Emaús, que queria organizar uma escola no bairro Bengui, em Belém. “Começamos a construir uma escola democrática e estabelecemos, como diretriz, educar filhas(os) de trabalhadoras(es) numa perspectiva emancipatória. Daí a formulação dos princípios, entre os quais, a participação de todos os segmentos da escola e da comunidade, representada pelos pais e pela Associação de Moradores do bairro Bengui”, explica. Segundo a docente, a Cidade de Emaús foi uma das primeiras escolas de Belém a implantar o Conselho Escolar.

Fotografia da professora emérita Ana Tancredi. Ela está sentada em uma cadeira de madeira, ao lado de uma mesa de madeira com dois livros de capa vermelha. A professora é branca, tem cabelo curto liso e veste um vestido azul. Ela está com as mãos sobre o braço da cadeira.

Sonhos não envelhecem – Não obstante a aposentadoria, Ana Tancredi segue envolvida com o Fórum de Educação Infantil do Pará, que integra o Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil, e o Movimento República de Emaús, do qual é integrante do Conselho Geral. “Minha utopia é viver num país soberano, com justa distribuição da riqueza, onde a solidariedade esteja presente em cada pessoa e com todas as pessoas tendo direito à vida digna e possam ser felizes plenamente”, afirma.

Nas palavras da professora associada da UFPA Fátima Cristina da Costa Pessoa, que assinou a relatoria do processo de concessão do título honorífico, a trajetória acadêmica e política de Ana Tancredi revela “uma servidora pública que nos serve de exemplo de compromisso incondicional com as questões educacionais da região amazônica”. Fátima Pessoa avalia que a história de vida de Ana Tancredi é paralela à história da Educação no estado do Pará e, em particular, da Educação na UFPA em defesa de seu Projeto de Interiorização: “Como afirma o professor Salomão Antônio Mufarrej Hage, em uma homenagem poética, o legado de Ana Tancredi é o legado Teórico-Prático de Bem Educar”.

Meninas e Mulheres na Ciência – A série “Meninas e Mulheres na Ciência 2025”, iniciada no dia 11 de fevereiro, homenageia as professoras eméritas da UFPA, em alusão à data criada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e pela Organização das Nações Unidas (ONU), como forma de reconhecer o papel fundamental exercido pelas mulheres e pelas meninas para o desenvolvimento da ciência no mundo. 

A data se configura como um marco para a promoção do acesso à ciência de maneira igualitária, buscando, dessa forma, incentivar que mais mulheres e meninas avancem em suas carreiras científicas contrariando qualquer estereótipo de gênero. Além de ser uma prioridade global da agenda da Unesco, essa ampliação da participação das mulheres na ciência é também um fator imprescindível para que novas perspectivas sejam analisadas e a criatividade se desenvolva ainda mais nas diferentes áreas de estudo.

Leia mais:

TEXTO: Assessoria de Comunicação Institucional da UFPA

FOTOS: Alexandre de Moraes - Assessoria de Comunicação Institucional da UFPA

Relação com os ODS da ONU:

ODS 4 - Educação de QualidadeODS 5 - Igualdade de Gênero

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