Um grupo de pesquisadoras vinculadas ao Programa de Pós-Graduação em Ecologia Aquática e Pesca da UFPA identificou resíduos plásticos em quelônios de rios da Amazônia, uma importante descoberta no campo dos estudos sobre impactos dos microplásticos na fauna aquática. A pesquisa First Report of Plastic and Artificial Cellulose Ingestion by Freshwater Turtles in the Amazon, publicada na Revista internacional Water, Air, & Soil Pollution, teve como objetivo principal demonstrar que as tartarugas da Amazônia já estão sendo impactadas pelos plásticos, uma vez que, até o momento, as pesquisas mais conhecidas acerca do tema tinham abordado somente quelônios marinhos e tartarugas de água doce de outras regiões.
Os quelônios, também conhecidos como “tartarugas” ou “cágados”, habitam não apenas os oceanos mas também os rios. Tracajás, muçuãs e pitiús, por exemplo, são nomes populares de alguns dos quelônios de água doce mais conhecidos (e consumidos) pela população amazônica. “A gente acabou encontrando a presença de polímeros artificiais (celulose artificial e microplástico) em 20% dos tracajás (Podocnemis unifilis) analisados do Rio Iriri, que é um dos principais afluentes do Rio Xingu e é uma área de certa forma bem preservada. Não era esperado a gente encontrar esses polímeros lá. Já nos muçuãs, (Kinosternon scorpioides) encontramos polímeros artificiais em 60% dos indivíduos analisados”, comenta Ana Laura Santos, a primeira autora do estudo, que teve orientação do professor Marcelo Ândrade, do Núcleo de Ecologia Aquática e Pesca da Amazônia (NEAP)

Os tracajás estudados por Ana Laura e seus colegas foram encontrados dentro de uma unidade de conservação de proteção integral, a Estação Ecológica Terra do Meio, e, ainda assim, não escaparam da ingestão dos polímeros artificiais. Os muçuãs analisados, por sua vez, vieram do Marajó, de Cachoeira do Arari. De acordo com a pesquisadora, a possibilidade é que a maior parte dos polímeros artificiais venha da lavagem de roupas (especialmente a celulose artificial) e de materiais de pesca.
Microplásticos e lixo têxtil – Para Tamires de Oliveira, coautora da pesquisa e doutora pelo PPGEAP (UFPA), as descobertas são indicativos de problemas maiores nas comunidades e cidades amazônicas. “Esses resultados podem indicar uma mudança nos hábitos das populações da Amazônia. A gente vai ter um uso muito maior de sacolas plásticas, por exemplo, e uma mudança também no tipo de roupa, porque essas malhas têxteis não são criações antigas, elas são muito recentes”, ressalta Tamires sobre os microplásticos de origem têxtil encontrados no trato digestivo dos quelônios, como a celulose artificial.
Esse “lixo têxtil” advém, principalmente, da lavagem de roupas de fibras sintéticas como o poliéster e a viscose, que soltam fios microscópicos durante a limpeza. Quando não tratada adequadamente, ou seja, quando o saneamento básico é inexistente ou precário, a água descartada das lavagens é jogada diretamente nos rios, transportando todos os resíduos têxteis junto com ela.
“Isso se torna mais grave se a gente pensar que esses bichos fazem parte da dieta das populações tradicionais na Amazônia. Eles são um recurso alimentar muito importante. Então, falando de insegurança alimentar principalmente, a gente precisa preservar esses animais pensando em como manter também a alimentação dessas populações”, destaca Tamires.
Nesse contexto, a pesquisadora destaca, ainda, a importância do papel das cidades amazônicas como propagadoras de resíduos. “Quando se fala em rio, a gente pensa muito em comunidades ribeirinhas, mas não podemos esquecer que tem muitas cidades grandes próximas aos rios também. E, uma vez que o rio é um corpo de água contínuo, isso quer dizer que cidades rio acima podem estar influenciando o que chega rio abaixo. Então, é necessário um esforço muito grande para fazer uma educação ambiental tanto nas cidades próximas aos rios quanto nas comunidades e ter, realmente, esse cuidado em diminuir o consumo de plástico. Infelizmente, não tem como fugir muito disso”, aponta.

Ações para o futuro – Para Ana Laura, neste momento, o investimento em saneamento básico e na educação ambiental se torna fundamental para se pensar um futuro de preservação dessas espécies e seus habitats. No arquipélago do Marajó, por exemplo, apenas 5,35% do esgoto é tratado e o esgoto doméstico é majoritariamente lançado direto nos rios. Então, informar a população sobre os microplásticos achados nos quelônios (ou nos peixes) que são parte integrante da dieta e da cultura amazônica pode transformar a forma como as pessoas enxergam esses impactos, gerando uma mudança de posicionamento e melhorias no consumo e no descarte do plástico.
“O próximo passo é pensar nas consequências disso: em como o plástico está afetando os bichos, como pode estar influenciando no papel ecológico das espécies. Apesar de pouco estudadas, quem é da área acredita que as tartarugas de água doce na Amazônia são dispersoras de sementes. Elas também fazem esse link entre o ambiente aquático e o ambiente terrestre e são presas para outros animais durante todas as fases da vida”, relata Tamires, ao lembrar que isso significa que qualquer declínio, seja no tamanho dos quelônios, seja na quantidade de ovos, gera um desequilíbrio muito maior na teia alimentar, sobretudo a longo prazo.
Além de pesquisadores do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) e do Núcleo de Ecologia Aquática e Pesca da Amazônia (NEAP), ambos da UFPA, o estudo também contou com a participação de representantes da Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra), da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) e da Universidade de Florença, na Itália. Leia o artigo First Report of Plastic and Artificial Cellulose Ingestion by Freshwater Turtles in the Amazon.