A presença indígena nos territórios amazônicos, observada no manejo de plantas , é um legado que evidencia antigas práticas de policultura agroflorestal e que contribui para a fertilidade dos solos e a biodiversidade das florestas. Investigar a relação de territorialidade ancestral nessas regiões busca não só compreender o passado indígena na Amazônia, mas também valorizar esse legado nas comunidades que se originaram do processo de colonização. Esse foi o estudo realizado pela arqueóloga de origem ribeirinha e professora da Universidade Federal do Pará (UFPA) Daiana Travassos Alves no seu projeto de pesquisa Manejo de plantas nas terras pretas do Baixo Tapajós. A professora foi uma de quatro pesquisadores premiados na categoria Impacto Social da Brazil Conference at Harvard & MIT, realizada no mês de abril, nos Estados Unidos.
Desenvolvida em diálogo com os comunitários da Floresta Nacional (Flona) do Tapajós, localizada na região oeste do Pará, entre o rio Tapajós e a rodovia BR-163 (Santarém-Cuiabá), a pesquisa premiada focou na arqueobotânica, área da Arqueologia que investiga restos de plantas em sítios arqueológicos para compreender as relações entre pessoas e plantas e que tem crescido nos últimos 20 anos na Amazônia.
“Os resultados das pesquisas arqueobotânicas vêm mudando a forma como compreendemos o passado indígena na Amazônia, e as evidências de antigas práticas de policultura agroflorestal que identifiquei em meu estudo foram bem recebidas e incorporadas nas discussões arqueológicas”, explica a pesquisadora.
Segundo ela, as atividades devolutivas do estudo para a comunidade incluíram, a pedidos das lideranças comunitárias, a produção de banners a serem empregados pelos guias turísticos nas trilhas da Flona e de calendários, entregues aos moradores e em oficinas de capacitação dos professores nas escolas para incorporar os resultados do trabalho em sala de aula. “Já para os alunos, concentramos na introdução do que é Arqueologia e quais temas são investigados, focando no legado indígena na floresta, que foi o principal resultado da minha pesquisa”, completa Daiana Alves.
Como desdobramento desta pesquisa, seu atual Projeto “Florestas Culturais e Territorialidades na Amazônia Oriental Pré-Colonial”recebeu financiamento do CNPq e é desenvolvido em colaboração com os pesquisadores Helena Pinto Lima (PPGDS/MPEG) e Pedro José Tótora da Glória (PPGA/UFPA).


Premiação – A Brazil Conference at Harvard & MIT é um evento anual, realizado desde 2015, que reúne líderes acadêmicos, cientistas, formuladores de políticas públicas e representantes da sociedade civil para debater desafios e oportunidades estratégicas para o Brasil. Desde sua criação, a conferência consolidou-se como um dos mais relevantes espaços de articulação e intercâmbio de ideias inovadoras, promovendo visibilidade internacional para projetos de impacto. “Espero que esta premiação possa impactar para incentivar o turismo eco arqueológico na Flona Tapajós, o que, com certeza, irá beneficiar as comunidades locais”, deseja Daiana Alves.
Para a arqueóloga, que, há quase duas décadas, atua divulgando suas pesquisas em jornais científicos de alto impacto como a revista Nature, a participação no evento dá notabilidade não apenas para a comunidade científica, mas também para um público mais amplo que é alcançado pelos canais de transmissões na internet. “Foi uma oportunidade de divulgar a pesquisa arqueológica em um meio científico mais abrangente e de dialogar com esses pesquisadores interessados em comunicação científica fora da academia”, afirma.
O Brazil Conference at Harvard & MIT é organizado por estudantes brasileiros nas Universidades de Harvard e do Massachusetts Institute of Technology (MIT), em Boston, EUA. O prêmio é uma forma de divulgar, no cenário mundial, os estudos de excelência para a ciência brasileira e destacar o impacto positivo do investimento público em pesquisa.
Para os organizadores, “a divulgação dessa conquista contribuirá para valorizar a pesquisa nacional, especialmente aquela voltada para as realidades e saberes da Amazônia, e inspirar novas gerações de cientistas comprometidos com abordagens colaborativas e socialmente relevantes”.

Trabalho reconhecido – Graduada em História, mestre em Arqueologia/Antropologia pela UFPA e doutora em Arqueologia pela Universidade de Exeter (Reino Unido), Daiana Travassos Alves também lidera o Tapera – grupo de pesquisa em Arqueologia amazônica e é editora-chefe do periódico Amazônica – Revista de Antropologia. Sua pesquisa se concentra nos usos da terra pré-colombianos, nas práticas alimentares e nas mudanças sociais na Amazônia antiga, integrando abordagens de Arqueologia e Paleoetnobotânica.
Um aspecto particularmente relevante de seu trabalho é o estudo do Sítio Sambaqui Jacarequara, na Ilha de Trambioca (Barcarena/PA), um marcador territorial com 2.700 anos de antiguidade. As escavações neste sítio são realizadas em formato de sítio-escola, com todas as etapas definidas em diálogo com os moradores locais, que participam ativamente das atividades – especialmente as crianças. Esta abordagem colaborativa não apenas revela a história milenar da região por meio dos vestígios de fauna e flora encontrados, mas também fortalece os laços entre a pesquisa científica e as comunidades tradicionais.
“O trabalho da Dra. Daiana exemplifica um fazer arqueológico sensível e respeitoso, que reconhece os sítios arqueológicos como territórios vivos das comunidades atuais, portadores de uma história profunda. Sua premiação, portanto, não apenas honra sua excelência como pesquisadora, mas também é um reconhecimento do valor do conhecimento tradicional e do envolvimento comunitário na produção científica”, reforça o time do Programa de Pesquisadores da Brazil Conference at Harvard & MIT.