Pesquisa aponta os riscos das mudanças climáticas e da poluição por microplásticos para a saúde dos igarapés da Amazônia

Um novo estudo realizado por cientistas da Universidade Federal do Pará (UFPA), do Instituto  Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e da  Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) mostrou que as mudanças climáticas e a  poluição por microplásticos podem afetar diretamente os processos de decomposição nos  igarapés amazônicos, com possíveis consequências para a biodiversidade, para o ciclo do carbono e  para a qualidade da água. O experimento foi realizado no Projeto Adaptações da  Biota Aquática da Amazônia (Adapta), uma iniciativa do Inpa voltada a investigar como os organismos aquáticos amazônicos respondem aos cenários de mudanças climáticas.

O estudo, publicado na revista científica Science of The Total Environment, foi conduzido em  microcosmos, que são pequenos ambientes controlados em laboratório, projetados para simular  as condições previstas para o clima amazônico até o final do século. Dentro dessas câmaras, os  pesquisadores controlaram temperatura e concentração de gás carbônico (CO₂) com alta  precisão e também adicionaram diferentes níveis de microplásticos semelhantes aos  encontrados nos rios da região. O projeto conta com uma infraestrutura pioneira de câmaras  climáticas controladas, localizadas em Manaus (AM), capazes de simular diferentes  combinações de temperatura e concentração de CO₂ previstas para o futuro. Essa estrutura  permite aos pesquisadores observar, em tempo real, como as espécies da região reagem  fisiológica, ecológica e comportamentalmente ao aquecimento global, contribuindo com dados  fundamentais para a formulação de políticas públicas para a conservação da biodiversidade. 

“Criamos um cenário do futuro em miniatura para entender como os organismos que mantêm  os igarapés funcionando vão reagir às mudanças que já estão em curso. Os fungos aquáticos são invisíveis aos nossos olhos,  mas cumprem um papel central ao decompor folhas e garantir o fluxo de nutrientes nos  ambientes de água doce. Sem eles, toda a cadeia alimentar pode ser impactada, incluindo os  peixes e a segurança alimentar de muitas comunidades”, explica a doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ecologia (PPGECO/UFPA) Viviane Firmino, que liderou o estudo. 

Os fungos estudados são conhecidos como fungos conidiais e desempenham um papel  importante na decomposição das folhas que caem na água provenientes da vegetação ripári,  reciclando nutrientes e sustentando a base da cadeia alimentar aquática. Para entender como  esses organismos respondem às ameaças ambientais, os pesquisadores simularam três cenários  climáticos – o atual, de acordo com as condições ambientais que estamos vivendo no momento,  um intermediário e um mais extremo, baseados em projeções do Painel Intergovernamental  sobre Mudanças Climáticas (IPCC) – além de testarem diferentes concentrações de  microplásticos. 

A pesquisa utilizou folhas de espécies de árvores típicas da floresta amazônica,  que foram submersas em água e expostas nas câmaras climatizadas. Os cientistas, então,  analisaram quantas espécies fúngicas se desenvolveram, quantos esporos foram produzidos  (indicando sua atividade reprodutiva) e qual foi a taxa de decomposição da matéria orgânica.

Fotografia registra Viviane Firmino em ação dentro de um laboratório. Ela usa luvas plásticas, manuseia tubos de ensaio e dosadores. A frente da pesquisadora há um notebook.

Por que esses fungos são importantes? – Nos igarapés amazônicos, especialmente aqueles  cercados por florestas densas, a principal fonte de alimento disponível para os organismos  aquáticos (insetos, camarões, caranguejos, peixes etc.) é a matéria orgânica que vem das folhas  que caem das árvores. No entanto a maior parte desses organismos, como os insetos aquáticos,  não consegue se alimentar diretamente dessas folhas, que são difíceis de digerir por serem ricas  em compostos complexos, como a lignina e a celulose. 

É neste momento que aparecem os fungos. Eles colonizam  as folhas submersas e iniciam o processo de decomposição, quebrando a matéria orgânica em  partículas menores e mais nutritivas. Além disso, tornam as folhas mais palatáveis e acessíveis  para outros organismos, funcionando como “pré-digestores” naturais. Sem essa atuação, o  alimento simplesmente não estaria disponível para a maioria dos seres vivos que habita esses  ecossistemas. Por isso os fungos são considerados fundamentais para o funcionamento dos  igarapés: eles conectam a floresta às cadeias alimentares aquáticas e mantêm em equilíbrio o  ciclo de nutrientes. 

Assim, os resultados do estudo chamaram atenção devido a alguns fungos desaparecerem nos cenários mais quentes ou quando foram colocados em condições com mais microplástico. Já outros fungos resistiram, e uma espécie em particular, Pestalotiopsis microspora, aumentou sua atividade, possivelmente por conseguir degradar certos tipos de plástico.O estudo apontou, ainda, que a combinação entre  aquecimento e microplásticos reduziu a eficiência da decomposição das folhas, um processo  essencial para manter a saúde dos igarapés e controlar o ciclo do carbono nesses ambientes. 

“Esse tipo de experimento ajuda a antecipar as consequências antes que elas ocorram de forma  irreversível na natureza. É como se estivéssemos testando a resiliência dos ecossistemas  amazônicos em uma cápsula do tempo. Então, é  fundamental estudar esses processos nos ambientes tropicais, porque a maior parte do que se  sabe sobre as mudanças climáticas e microplásticos ainda vem de estudos em regiões  temperadas”, destaca o professor da UFPA Leandro Juen. 

Fotografia registra vários vidros um ao lado do outro. No interior desses vidros há um líquido e alguma substância marrom.

Mudança na cadeia alimentar – Um alerta que o estudo traz é o potencial que condições muito drásticas têm para a redução da decomposição, o que significaria menos nutrientes disponíveis na água, menos alimentos para os organismos aquáticos e ações que resultam em mudanças em toda a cadeia alimentar, afetando desde insetos e peixes até a pesca, a segurança alimentar e o abastecimento de água das populações humanas. 

De acordo com os pesquisadores, essas mudanças na ciclagem de nutrientes ou na biodiversidade podem afetar na potabilidade da  água e, com isso, diminuir o acesso a esse recurso essencial para a sobrevivência humana. Além  disso, esse processo também influencia diretamente na liberação de gases como o CO₂ e o metano, podendo  retroalimentar o aquecimento global. “Esses fungos são como os  recicladores do ecossistema. Quando eles não funcionam bem, o ciclo de nutrientes é  comprometido, o que pode afetar toda a vida aquática”, destaca Viviane Firmino. 

Como a maior parte dos estudos sobre aquecimento global se concentra em regiões temperadas, que  não representam a realidade amazônica de clima e de biodiversidade, “estudos como este ajudam a  preencher essa lacuna e mostram que os impactos ambientais amazônicos precisam ser  estudados na Amazônia, com sua biodiversidade. Só conhecendo esses padrões podemos  planejar ações eficazes de mitigação e adaptação que façam sentido para a Amazônia, uma vez que as regiões temperadas têm uma biodiversidade infimamente menor e menos complexa que  a Amazônia”, completa o  professor Leandro Brasil (UFMT), um dos coautores do estudo. 

Tendo a região amazônica como centro de debate sobre as mudanças climáticas, especialmente no ano que se prepara para sediar a COP 30, os autores destacam que proteger os pequenos organismos que sustentam os ecossistemas é tão urgente quanto preservar as grandes paisagens. Neste sentido, conhecer o que acontece nos igarapés é fundamental para  entender como a floresta responde ou resiste às mudanças do planeta, uma vez que os fungos e a  biodiversidade de pequenos corpos d’água, como a dos igarapés amazônicos, são fundamentais  para a manutenção do complexo e rico sistema de drenagem da Bacia Amazônica. 

A pesquisa foi conduzida por uma equipe interdisciplinar composta por Viviane Caetano  Firmino (UFPA), Leandro Juen (UFPA), Rafael Costa Bastos (UFPA), Renato Tavares Martins (Inpa), Neusa  Hamada (Inpa), Raul Bismarck Pinedo-Garcia (Inpa), Leandro S. Brasil (UFMT), Adriana  Medeiros Oliveira (UFBA),  Natalia Natiely Barroso Mandarino (UFBA) e Giseli Gomes Barreto (UFBA), e recebeu suporte e financiamento do Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio), por meio de bolsas de apoio à pesquisa no eixo temático “Mudanças climáticas e conservação da biodiversidade” da Chamada 05/2021. 

TEXTO: Divulgação do projeto

FOTOS: Arquivo Pessoal

Relação com os ODS da ONU:

ODS 13 - Ação Contra a Mudança Global do ClimaODS 14 - Vida na ÁguaODS 17 - Parcerias e Meios de Implementação

Leia também

Compartilhe

Facebook
Twitter
LinkedIn
Telegram
WhatsApp
Email
Print
Pular para o conteúdo