O estande da Universidade Federal do Pará (UFPA) tem sido um dos destaques da Blue Zone da COP 30, em Belém. Durante esta segunda e última semana da conferência, o espaço continua com intensa programação de painéis sobre direitos humanos, segurança alimentar, gênero, meio ambiente, saúde, biodiversidade, ecologia, agricultura familiar e agroecologia. Essas ações seguirão de forma presencial e virtual em espaços para além da Blue Zone, em vários espaços da UFPA pela capital, a exemplo do Fórum Landi, dos Mercedários e do próprio Campus Guamá.
De acordo com Flávio Bezerra Barros, professor associado do Instituto Amazônico de Agriculturas Familiares (Ineaf) da Universidade Federal do Pará e doutor em Biologia da Conservação, o Movimento Ciências e Vozes da Amazônia, criado pela UFPA, busca unir conhecimento científico e os movimentos sociais, agregando docentes, estudantes, técnicos e sociedade civil, sobretudo movimentos sociais do campo e da cidade. “Esta ação estratégica da UFPA valoriza a inclusão social e a participação de diversos sujeitos. O estande da UFPA está trazendo para o espaço pesquisadores, representantes dos povos indígenas e comunidades tradicionais, empresários, políticos e parceiros diversos que estão colaborando, de modo muito especial, para o brilhantismo de nosso espaço na Blue Zone”.
O espaço, que conta com presença direta do Movimento Ciência e Vozes da Amazônia na COP 30, tem se destacado pela presença não só dos pesquisadores da UFPA, mas também de autoridades e figuras dos campos político, científico, social, de lideranças de povos indígenas e comunidades tradicionais, entre as quais, os ministros Camilo Santana, da Educação, e Frederico de Siqueira Filho, das Comunicações; a deputada estadual Lívia Duarte; o indígena Yuri Kuikuro, do Território Indígena do Xingu/MT; Tatiana Sá, da Embrapa Amazônia Oriental; José Nunes da Silva, presidente da Associação Brasileira de Agroecologia; a professora Zélia Amador de Deus, da UFPA; o presidente da Andifes, José Geraldo Ticianeli entre outras pessoas que, ao visitarem e participarem de atividades do estande, deixaram suas contribuições de enorme relevância no campo das mudanças climáticas e interfaces.
“A cada dia, até 21 de novembro, a agenda segue intensa, com painéis acontecendo a cada hora. A UFPA segue falando para o mundo, dando sua contribuição para a construção de um planeta melhor, com base em uma ciência que possa ser transformadora de realidades”, ressalta Flávio Barros.

Conhecimento construído com as comunidades – Sobre os desafios de fazer chegar às comunidades, particularmente aos movimentos sociais, os conhecimentos gerados em salas de aulas e laboratórios da UFPA, Flávio Barros observa que se trata não apenas de fazer chegar os conhecimentos científicos, mas também entender como esse conhecimento científico pode ser coconstruído com as comunidades e os movimentos: “É aí que mora a diferença. Isso significa compreender, de modo situado, quais são as problemáticas, as realidades e as demandas vindas dos territórios. Neste contexto, o conhecimento científico passa a ser construído em consonância com o que conhecemos como conhecimento tradicional, afinal, na vida cotidiana de todos os segmentos da sociedade, há experiências de conhecimentos”.
Citando seu próprio exemplo, o pesquisador destaca que trabalha diretamente com agricultores familiares e comunidades tradicionais e que está constantemente vivenciando experiências de aprendizagens muito ricas e sempre renovando sua maneira de enxergar e compreender o mundo, com base nas cosmovisões e nos conhecimentos dos muitos sujeitos que povoam a Amazônia. “Assim, posso dizer que o conhecimento científico construído na Universidade, pela minha ótica, tem mais a proposição de dar a conhecer a cultura e o modo de viver dos povos tradicionais para que a sociedade possa se inspirar e até mesmo repensar posições e comportamentos. E também transformar as realidades e problemáticas cotidianas dos movimentos sociais por meio de suas lutas e defesa dos direitos fundamentais da vida”.

Declaração sobre Fome, Pobreza e Ação Climática – Aprovada por ocasião da Cúpula de Líderes da COP 30, a Declaração de Belém sobre Fome, Pobreza e Ação Climática Centrada nas Pessoas coloca a agenda do combate à fome e à pobreza no centro das discussões climáticas globais. Para Flávio Barros, a declaração tem poder simbólico justamente por ter sido assinada por 44 países, entre os quais, aqueles que figuram entre as economias mais fortes do mundo, como Alemanha, França, Holanda e Reino Unido.
“Sua fortaleza também se materializa na medida em que apresenta direções, apontamentos e diretrizes a serem seguidas a fim de combater a insegurança alimentar, a pobreza e a falta de proteção social, uma vez que cerca de 673 milhões de pessoas ao redor do mundo enfrentam fome e pelo menos metade da população do planeta sofre com a ausência de proteção social”, observa o pesquisador.
No entanto ele ressalta que “o documento não alcançará o seu propósito maior se não forem, de fato, implementadas políticas públicas e programas de enfrentamento desses agravos, sobretudo nas nações mais vulneráveis da América Latina, África e Ásia. E também não surtirá efeito prático para a mudança dessa realidade cruel caso não haja distribuição equitativa da riqueza acumulada entre os países com economias mais consolidadas, ou seja, a ação deve envolver todos os países, considerando suas condições humanas, intelectuais, econômicas, numa espécie de grande mutirão global”.
O professor do Ineaf, porém, afirma que está esperançoso. “Que possamos, de fato, cuidar de nossa casa comum, combatendo toda sorte de injustiça social e climática, protegendo as pessoas que cuidam da natureza e dos seus territórios repletos de florestas e biodiversidade e ajudam a regular o clima e a promover a segurança alimentar por meio de seus sistemas alimentares agroecológicos e saudáveis”. Ela destaca que a agricultura familiar, como sistema de produção sustentável de alimentos saudáveis, deve ser colocada na linha de frente neste processo, com mais valorização e financiamentos para a produção de alimentos justos para chegar à mesa da população, gerando renda, protegendo os ecossistemas e melhorando a saúde das pessoas e dos ambientes.
Flávio Barros lembra que há uma dívida histórica do mundo capitalista com os guardiões dos rios, das florestas e da biodiversidade, que colaboram, por meio de suas cosmovisões e dos seus modos de vida, com o equilíbrio climático, a segurança alimentar e nutricional e a diversidade biocultural do planeta. “Alguém deve pagar a conta da destruição a fim de que aqueles cujos costumes ancestrais se desenvolvem dentro de um sistema de proteção da natureza sejam verdadeiramente beneficiados”.
Partindo de um exemplo local, ele cita o estado do Pará, que figura no topo das unidades federativas do Brasil com os piores indicadores de fome do país, com 44,6% da população vivendo em insegurança alimentar, segundo o IBGE. “Como imaginar que um estado com a dimensão territorial do Pará, detentor de rica sociobiodiversidade e forte vocação na agricultura familiar, esteja enfrentando cenários tão difíceis no campo da soberania e segurança alimentar e nutricional?”.
O professor espera que as discussões, a declaração de Belém e os tomadores de decisão possam repensar suas abordagens de ação com vistas a combater, de modo eficaz, os percalços que acometem a vida de milhões de famílias na Amazônia e ao redor do mundo. Porém ressalva: “é fundamental haver segurança territorial e fundiária, pois, sem a garantia da terra, os trabalhadores e trabalhadoras não terão suas formas de viver, produzir e preservar garantidas como direito pleno de existir e colaborar com o desenvolvimento sustentável, auxiliando no equilíbrio do clima e combatendo a pobreza com comida saudável e renda para toda a população”.


