Relator da ONU recomenda a demarcação de terras como uma forma de combate ao trabalho análogo à escravidão no Brasil

O Instituto de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Pará (ICJ/UFPA) sediou o Encontro “Escravidão, Crise Climática e Amazônia: Diálogos sobre Direitos Humanos e Sustentabilidade na Fronteira Agrícola”, promovido pela Clínica de Combate ao Trabalho Escravo da UFPA (CCTE/UFPA), vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD/UFPA) e ao Programa de Pós-Graduação em Direito e Desenvolvimento da Amazônia (PPGDDA/UFPA).

O evento, que ocorreu durante a segunda semana da Conferência das Partes (COP 30), contou com a participação de profissionais e pesquisadores renomados da área, como o relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU), professor Tomoya Obokata; a professora Christine Cuomo, da Universidade da Geórgia (University of Georgia/Atlanta); o professor Saulo de Matos (ICJ/UFPA); a professora Valena Jacob (ICJ/UFPA); o padre Ricardo Rezende (UFRJ/CPT) e a advogada Queila Couto (Malungu e CPT/PA).

Segundo Valena Jacob, atual diretora do ICJ/UFPA e coordenadora da CCTE, as formas contemporâneas de escravidão no Brasil são caracterizadas pela instrumentalização do ser humano para fins de lucro, o que engloba tanto a violação da dignidade do trabalhador quanto a privação da liberdade. Em outras palavras, submeter alguém a trabalhos forçados e/ou à servidão por dívida não são as únicas formas de praticar o crime previsto no  Art. 149 do Código Penal Brasileiro. Outras práticas abusivas como a exposição do trabalhador a condições degradantes e a jornadas de trabalho exaustivas também podem ser consideradas formas contemporâneas de escravidão. 

Um dos pontos mais enfatizados pelos palestrantes foi a relação direta entre a exploração laboral contemporânea e o histórico de escravização da população negra e indígena no Brasil, os quais também estão intrinsecamente correlacionados à degradação do meio ambiente, sobretudo na região amazônica. 

“O trabalho escravo tem uma forte ligação com a disputa por terras. Nesse sentido, a manutenção da memória histórica é crucial para evitar a repetição de atrocidades, e a pesquisa histórica pode ser usada como uma ferramenta de pressão e educação pública para garantir que as novas gerações e o setor corporativo compreendam a profundidade do impacto do desenvolvimento predatório na Amazônia e no Brasil”, explicou a professora Valena Jacob.

Para exemplificar esse fenômeno, o padre e professor Ricardo Rezende, porta-voz das vítimas dos conflitos fundiários no Pará há mais de sete décadas, trouxe os altos índices de escravidão registrados na Amazônia durante a Ditadura Militar: “É preciso compreender que essas violações não eram algo acidental, mas um projeto de Estado, um projeto de governo. Onde havia os grandes projetos de ‘desenvolvimento’, havia também os maiores índices de conflito fundiário, trabalho escravo e assassinatos de base”.

Recomendações da ONU – Tomoya Obokata, relator especial da ONU que participou do Painel “A Governança Global e a Intersecção entre o Trabalho Escravo e a Crise Climática”, reafirma: “A exploração laboral é parte integral de práticas como a grilagem de terras, o desmatamento e a extração de madeira, a criação de gado, o garimpo ilegal de ouro e outros minérios, bem como o narcotráfico”. Como relator para formas contemporâneas de escravidão, as atribuições de Obokata na ONU envolvem a fiscalização de formas contemporâneas de escravidão ao redor do globo, mediante a produção de relatórios anuais e visitas periódicas aos países. Este ano, o relator veio ao Brasil a convite do governo federal. 

Durante a sua estadia em terras brasileiras, Tomoya Obokata se reuniu com mais de 260 partes interessadas, desde funcionários do governo e autoridades policiais até membros da sociedade civil como sindicatos, trabalhadores e sobreviventes de exploração sexual e laboral. O resultado da sua visita foi uma carta de recomendações ao país sede da COP 30 para a erradicação do trabalho análogo à escravidão. 

“Eu recomendo, fortemente, que o Brasil adote uma lei e política nacional sobre empresas, incluindo a previsão de diligência devida em matéria ambiental e de direitos humanos, o mais rapidamente possível. Isso inclui o fortalecimento dos mecanismos de fiscalização e responsabilização na Amazônia para viabilizar o monitoramento do uso de terras não regularizadas e a prevenção da grilagem, do desmatamento e da mineração”, orientou Obokata. O relator acrescentou, ainda, que as empresas e outros perpetradores desses crimes devem ser penalizados de maneira mais rigorosa, na esfera tanto do Direito Civil quanto do Direito. 

Por fim, Tomoya enfatizou a importância de garantir “a proteção dos defensores de direitos humanos e a conclusão dos processos de demarcação de terras dos povos tradicionais, o que inclui a total rejeição à doutrina do Marco Temporal e a adoção de medidas urgentes para prevenir o deslocamento de comunidades quilombolas, como a implementação do princípio da não discriminação em termos de acesso a trabalho decente, educação, segurança social e outras formas de proteção social nos territórios.” Segundo ele, todas essas propostas são fundamentais para o combate às formas de trabalho análogo à escravidão contemporâneas e para a defesa dos direitos dos povos tradicionais  em conformidade com as normas e os padrões internacionais.

Todos os painéis do Evento “Escravidão, Crise Climática e Amazônia: Diálogos sobre Direitos Humanos e Sustentabilidade na Fronteira Agrícola” foram transmitidos ao vivo, via YouTube, e já estão disponíveis para visualização no canal oficial do PPGDDA-UFPA.

TEXTO: Gabriela Cardoso - Assessoria de Comunicação Institucional da UFPA

FOTOS: Divulgação ICJ

Relação com os ODS da ONU:

ODS 8 - Trabalho Decente e Crescimento EconômicoODS 13 - Ação Contra a Mudança Global do ClimaODS 16 - Paz, Justiça e Instituições Eficazes

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