A Conferência do Clima realizada em Belém representou um momento importante para o debate climático global, mas também deixou questões pendentes. A análise é da professora, Lise Tupiassu, pós-doutora em financiamento climático e pró-reitora de Relações Internacionais da Universidade Federal do Pará (UFPA). Presente na Blue Zone diariamente, ela pôde observar de perto as negociações das últimas duas semanas e destaca um balanço que mistura os avanços e as frustrações resultantes desta COP.
Para a docente, um dos pontos positivos foi a reafirmação do multilateralismo, em um contexto internacional marcado por tensões políticas. “Tivemos 195 países participando e 29 textos aprovados por consenso. Isso mostra que, apesar das divergências, há um esforço coletivo para manter a cooperação climática”, aponta.
O chamado Pacote de Belém consolidou decisões sem retroceder em compromissos assumidos em COPs anteriores, o que também é visto como um indicativo de continuidade. Entretanto Tupiassu observa que o consenso teve um custo: muitos países abriram mão de posições mais ambiciosas para garantir acordos mínimos.
Financiamento – Entre os resultados considerados inovadores, está o Fundo de Florestas Tropicais para Sempre (sigla em inglês TFF), proposto pelo Brasil, que cria um mecanismo permanente de remuneração para países que mantêm florestas em pé.
Outro avanço foi a decisão de triplicar o financiamento para adaptação até 2035 e estabelecer metas de mobilização de US$ 1,3 trilhão por ano. Para a especialista, essa sinalização pressiona os países a acelerar planos de adaptação e mitigação ainda a partir deste ano. Mesmo assim, ela lembra que existe incerteza sobre como esses recursos serão obtidos e se, de fato, chegarão às populações mais vulneráveis.
“A ambição financeira aumentou, mas a efetividade ainda depende de compromissos concretos, especialmente dos países historicamente mais emissores”, pondera.
Inclusão social – A COP também trouxe conquistas simbólicas e institucionais na área social. Outro avanço destacado foi a criação do Mecanismo de Transição Justa, que fortalece cooperação internacional e reconhece que enfrentar a crise climática exige integrar justiça social às metas ambientais. Pela primeira vez, documentos da COP mencionam explicitamente povos indígenas, afrodescendentes, mulheres e lideranças tradicionais, tanto no papel de guardiões da floresta quanto como agentes na inovação tecnológica.
A conferência também lançou um Plano de Ação de Gênero para os próximos 10 anos, abordando financiamento sensível ao gênero e o fortalecimento da liderança de mulheres indígenas e negras em processos climáticos.
Dois temas considerados centrais, entretanto, ficaram de fora das decisões finais: roadmap para o afastamento dos combustíveis fósseis e o plano global para combate ao desmatamento. A ausência desses documentos foi apontada por diversos países e organizações como um dos pontos mais frágeis da COP.
Para a professora, o resultado limita a clareza sobre como o mundo pretende reduzir emissões e proteger florestas na escala necessária. Ela lembra, contudo, que o Brasil pretende retomar essas discussões no próximo ano, já que permanecerá na presidência da COP durante parte do ciclo seguinte. Ainda assim, o recuo no texto final “deixou uma sensação de oportunidade perdida”, confessa Tupiassu.
Ciência amazônica – A professora aponta que várias áreas da ciência na Amazônia serão mais demandadas, como monitoramento por satélites e IA, estudos de biodiversidade, bioeconomia, saúde pública, governança territorial e avaliação de fundos climáticos. Mas reforça que há uma lacuna estrutural: “Para que essas áreas respondam às demandas globais, é preciso investimentos continuados e reconhecimento da ciência produzida na região.”
Para Lise, a universidade é essencial para implementar e monitorar as decisões da COP, por formar especialistas, produzir pesquisas independentes e atuar como observadora crítica. “A universidade tem legitimidade para avaliar se o que foi prometido está sendo cumprido. E também para tensionar o debate quando metas importantes não avançam”, destaca. A COP foi um ponto de partida. O que vem agora depende de como sociedade, governos e instituições vão trabalhar para transformar acordos em realidade”, concluiu.
