O capacitismo está para as pessoas com deficiência da mesma forma que o racismo para as pessoas negras, o machismo para as mulheres, a LGBTfobia para os LGBTQIA+. É uma tradução da palavra inglesa "ableism" e tem o papel de expressar e sintetizar a ideia de “discriminação por motivo de deficiência”. Em termos científicos, o capacitismo se baseia na noção de que existem certos tipos de pessoas e padrões corporais que são "normais", isto é, típicos da espécie humana. Como a deficiência destoa dessa corponormatividade, para o capacitismo, a pessoa com deficiência é um estado diminuído de ser humano, alguém inferior que deve ser “curado”, “reparado”, “reabilitado”. A explicação é de Pérola de Souza, aluna do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFPA (PPGCOM).
Segundo a pesquisadora, o capacitismo produz a noção de que as PcD são inaptas para desenvolver atividades comuns (como trabalhar, estudar, namorar, se divertir), e, por isso, são dignas de pena e caridade; ou de admiração e fascínio, quando, ao extremo, são vistas como 'super-heroínas' e exemplos de superação. “As duas concepções produzem os estereótipos de "coitado" ou de "herói", que são nocivos às PcD. O primeiro, porque nos inferioriza e subestima; o segundo, porque infunde a ideia cruel de que o mundo não foi feito para as pessoas com deficiência e cabe a nós 'superarmos nossas incapacidades' e nos adaptarmos, tirando da sociedade o dever de se modificar para incluir a todos”.
A pesquisa de Pérola busca fazer um apanhado das lutas empreendidas pelo movimento das pessoas com deficiência, compreendendo-as como lutas por reconhecimento em prol de equidade e respeito social, sendo o combate ao capacitismo uma pauta central nas reivindicações desse público. “Nessa seara, busco investigar como alguns veículos da imprensa paraense abordam a questão da deficiência e representam as PcD em suas matérias jornalísticas, com o objetivo de verificar se essa cobertura reproduz termos e noções derivadas do capacitismo e se o segmento PcD sente suas demandas representadas nas reportagens produzidas”, afirma.
A estudante acredita que estudo e ação caminham juntos e que é imprescindível aliar a produção científica às lutas sociais. “Por isso busco atuar tanto na área acadêmica, com a pesquisa científica, quanto em movimentos sociais que pautam as lutas das pessoas e das mulheres com deficiência na interação com outras lutas antiopressão”, destaca.
Para ela, é necessário um esforço de mão dupla para que, de um lado, as pessoas com deficiência despertem para a consciência de que não se muda a sociedade sozinho e que, por isso, é preciso agir de maneira organizada com a coletividade, desenvolvendo a luta anticapacitista em todos os espaços, das instituições de ensino às arenas políticas, das feiras às redações jornalísticas; e, de outro, que as pessoas sem deficiência reconheçam seu papel nesse processo. “Não se trata apenas de mudar a si mesmo em uma autorreflexão contra o capacitismo, mas também de apoiar e colaborar com ações amplas e coletivas desenvolvidas por movimentos PcD na defesa de direitos e reivindicações sociais, assumindo seu compromisso na construção de uma sociedade anticapacitista”, considera Pérola.
Inclusão – Rosecleide Gonçalves Lobo, concluinte do curso de Licenciatura em História na UFPA, pessoa com cegueira desde os 22 anos em virtude do glaucoma por causa da pressão alta, entrou na Universidade em 2014. Hoje, com 34 anos, ela já passou por dificuldades que a fizeram abandonar a turma em que ingressou, desblocando da sua turma. A estudante veio de Soure para realizar tratamentos em Belém e, desde os 7 anos, frequenta a UFPA para acompanhamento no Hospital Universitário Bettina Ferro de Souza. “Foi aí que surgiu um sonho no meu coração de, um dia, entrar pelos portões da UFPA não como paciente, mas como aluna. Quando passei no vestibular, em 2014, foi a maior alegria da minha vida”, lembra.
Ao se deparar com a vida acadêmica, a aluna sofreu um choque de realidade e, devido a algumas dificuldades que encontrou diante de sua limitação pessoal, acabou envolvendo-se na fundação e coordenação da Associação de Discentes com Deficiência da UFPA (ADD), atuando em linhas de luta nos âmbitos estrutural, procedimental e atitudinal pelo anticapacitismo.
Na opinião dela, “o pior a ser enfrentado é o capacitismo atitudinal, quando você sente as pessoas te discriminarem. Às vezes, até te acham bacana, divertida, inteligente, mas não te querem por perto porque você dá trabalho. Eu passei por isso. Não é só porque passei pela cota que sou menos capaz, eu fiz a mesma prova do Enem que meus colegas fizeram, eu passei com o mesmo nível de qualidade, só que minha avaliação foi diferente, inclusive, na minha época de candidata, a UFPA só ofertava uma vaga para PcD, por curso”, relata. “Eu realmente lutei pela minha vaga”, complementa.
A estudante diz que, ainda assim, a vida acadêmica é de muito aprendizado, desconstrução e autoconhecimento. “A Universidade não me abriu apenas uma porta, me abriu o mundo”. Ela considera a política de inclusão de PcD da UFPA compatível com o lema da Organização das Nações Unidas (ONU): “Nada sobre nós sem nós”. Trata-se de uma política horizontal, que inclui o estudante PcD desde a origem de sua concepção, consolidação e implantação, e que conta com a militância da ADD e de outras entidades de apoio a pessoas com deficiência. "O percurso não foi fácil, mas vieram as conquistas e a luta continua", relata.
Rose lembrou, ainda, que, primeiramente, em 2012, foi criado o Núcleo de Inclusão Social (NIS), na UFPA, à época vinculado à Pró-Reitoria de Ensino de Graduação (Proeg). O NIS tinha como objetivo atender à permanência de todos os alunos que entravam pelas cotas e garanti-la, fossem elas de PcD ou de outras origens, tais como indígenas, quilombolas e campo. No ano de 2017, o NIS foi reorganizado e descentralizado em dois setores na UFPA, com o objetivo de discutir e estabelecer políticas mais eficazes para cada um dos públicos oriundos das políticas afirmativas da UFPA. Assim, foram criadas a Coordenadoria de Acessibilidade (CoAcess) e a Assessoria de Diversidade e Inclusão Social (ADIS).
Conquistas – A Fim de combater o capacitismo, a CoAcess tem programas de apoio aos discentes, como o Programa Pró-Pedagógico, que possui ações e serviços de apoio, acompanhamento e assessoramento pedagógico, psicoeducacional e psicopedagógico para pessoas com deficiência. Esse programa constitui-se em um conjunto de ações, serviços, orientações, estratégias didático-pedagógicas e utilização de metodologias adaptadas, é gerenciado pelo Programa de Acessibilidade (Proacess/Saest) do Programa de Assistência e Acessibilidade da UFPA (PNAE), que tem por finalidade assistir ao(à) discente com deficiência com/sem comorbidades associadas e/ou com altas habilidades/superdotação durante o percurso acadêmico de graduação e pós-graduação, contribuindo para a sua acessibilidade e eliminação de barreiras (atitudinal, arquitetônica, urbanística, comunicacional, informacional e tecnológica), além da sua inclusão e participação nas atividades acadêmicas e científicas, com equidade, autonomia e independência e, assim, poder integralizar seu curso com êxito.
Há também o Programa de Apoio Especializado e Individual – PAI/PcD, que se constitui em um conjunto de ações técnicas e especializadas, de forma sistemática e permanente, com vistas a apoiar o discente de graduação com deficiência, prioritariamente, em vulnerabilidade socioeconômica, para fins de eliminação de barreiras na vida acadêmica e garantia de acessibilidade na UFPA.
“Para que esses programas sejam, de fato, instituídos, a CoAcess/Saest disponibiliza uma equipe de profissionais habilitados a atender ao público específico da educação especial no ensino superior. Eles estão distribuídos em divisões específicas: a Divisão de Acessibilidade Física e Tecnologia Assistiva para Pessoas com Deficiência Física e Múltipla – DTAF, formado por terapeutas ocupacionais; a Divisão de Tecnologia Assistiva e Braille – DTAB, formado por transcritores(as) de Braille e audiodescritores(as); a Divisão de Tecnologia Assistiva para Pessoas com TEA e Deficiência Intelectual – TEA/DI, formado por psicólogos e psicopedagogos; a Divisão de Libras – DivLibras, formado por pedagogo, tradutores(as) e intérpretes de Libras; e a Divisão de Apoio Psicopedagógico Especializado – DAPE, formada por psicólogo e pedagogo”, explica Denise Costa Martinelli, tradutora Intérprete de Libras e coordenadora em exercício da CoAcess UFPA.
Além do mais, a CoAcess promove formações em parceria com outras unidades e subunidades da UFPA para funcionários técnico-administrativos, docentes e para discentes, a fim de orientar sobre como lidar com os diversos tipos de deficiência em sala de aula, sobre metodologias específicas que podem ser aplicadas durante as aulas, que abrangem tanto os alunos PcD quanto os alunos sem deficiência, sobre os serviços disponibilizados pela CoAcess/Saest e sobre atendimento ao público.
Para saber mais, acesse http://saest.ufpa.br/coacess/.
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Texto: Jéssica Souza – Assessoria de Comunicação Institucionl da UFPA
Arte gráfica: Ascom UFPA
Fotos: Arquivos pessoais