O Campus Universitário Tocantins/Cametá, da Universidade Federal do Pará, está se consolidando como um importante polo de estudos linguísticos indígenas da Amazônia. Parte desse trabalho deve-se às pesquisas lideradas pelo professor Jorge Domingues Lopes. O pesquisador é professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação e Cultura e coordenador do Grupo de Pesquisa Educação, Línguas e Culturas Indígenas e Não Indígenas daquele campus da UFPA. Ele realiza pesquisas e orienta trabalhos de pós-graduação no campo da linguística e da educação e cultura indígenas, com foco na relação língua, cultura e educação indígena e não indígena para fins de construção de materiais lexicográficos de uso geral e particular nas escolas indígenas.
Entre 2015 e 2022, Jorge Lopes coordenou o Projeto interinstitucional Plataforma interativa do mapa etno-histórico do Brasil e regiões adjacentes, resultado de uma parceria entre a UFPA e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). A plataforma contém a versão, para web, do Mapa Etno-Histórico, concebido e desenhado pelo etnólogo Curt Nimuendajú (1883-1945), na primeira metade do século XX.

A Plataforma Nimuendajú permite o acesso ao banco de dados elaborado com base em informações contidas nas três versões originais do Mapa Etno-Histórico do Brasil e regiões adjacentes, encomendadas ao etnólogo, em meados dos anos 1940, pelas instituições científicas Smithsonian Institution, Museu Paraense Emílio Goeldi e Museu Nacional do Rio de Janeiro. A Plataforma Nimuendajú está disponível para consulta pública no site.
O trabalho se reveste de mais importância por causa da destruição do último mapa de Curt Nimuendajú no incêndio que atingiu o Museu Nacional, no Rio de Janeiro, em 2018. O documento só não se perdeu todo porque a equipe havia realizado, antes, a digitalização em alta resolução, hoje disponível no site do IPHAN.
Para essa plataforma, foram desenvolvidos filtros e camadas inter-relacionadas que aprimoram a fruição do documento sobre a história, a territorialidade dos povos e das línguas indígenas no Brasil. Ao mapa, os pesquisadores acionaram a possibilidade de destacar os sítios arqueológicos, os biomas, os territórios indígenas e as unidades de conservação do Brasil.
O lançamento da plataforma aconteceu quando a Unesco abriu a Década Internacional das Línguas Indígenas (de 2022 a 2032). O professor Jorge Lopes explica que “esse fato proporcionou mais visibilidade à pesquisa e ao sistema, o qual vem sendo procurado por pessoas de diferentes comunidades científicas envolvidas com os estudos sobre povos e línguas indígenas do Brasil, sobretudo das áreas de Antropologia, Linguística, Patrimônio Histórico, Geografia e Educação”. O mapa interativo também é usado por professores da educação básica, por dar acesso, de maneira rápida, a 500 anos da história indígena brasileira, cujo ensino é obrigatório desde 2008, por meio da Lei nº 11.645.
Produção de dicionário e catálogo lexicográfico
Uma outra pesquisa do grupo, o “Catálogo de materiais lexicográficos das línguas indígenas do Brasil”, também se encontra disponível ao público. Trata-se de um extenso levantamento de obras lexicográficas envolvendo o maior número possível de línguas faladadas por diferentes famílias indígenas, inclusive línguas isoladas, do Brasil e de regiões fronteiriças.

Em outra frente, Jorge Lopes participou da equipe, coordenada pela professora Graciela Chamorro, da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), que produziu o “Dicionário Kaiowá-Português”, publicado em 2022. Trata-se de um dicionário com informações etnolinguísticas, sócio-históricas e geográficas dos kaiowá, do Mato Grosso do Sul, da família linguística tupi-guarani. Ele participou da assessoria lexicográfica do projeto, planejando toda a macroestrutura e as microestruturas (verbetes), e da construção de uma base de dados multiplataforma on-line, para o gerenciamento dos dados linguístico-culturais, a qual possibilitará ampliar os atuais 6 mil verbetes da edição atual.
Segundo o pesquisador, além das versões impressa e digital, a equipe pode gerar, por meio da mesma base de dados, um vocabulário português-kaiowá, com mais de 4.500 entradas, e o aplicativo do dicionário eletrônico kaiowá, que aguarda financiamento para ser efetivado. O projeto inspirou a construção de dicionários escolares monolíngues e bilingues dos kaiowá, a serem lançados em 2025. Jorge Lopes também participa desta etapa, em ação em Dourados (MS).
Ele explica que a produção de dicionário e de outros tipos de materiais lexicográficos (vocabulário, glossário, lista, índice, léxico etc.) de uma língua abrange um aspecto teórico; e outro, técnico. A parte teórica permite a definição dos termos que compõem o universo do léxico de uma língua, o estabelecimento da natureza e das características dos materiais lexicográficos, além dos processos de descrição dos significados das palavras e das classificações gramaticais, por isso a necessidade de se ter uma gramática da língua a ser inventariada. Do outro lado, a lexicografia, como técnica, permite definir as formas de armazenamento e manipulação dos dados coletados e o projeto da macroestrutura e das microestruturas da obra lexicográfica.
“O dicionário nasce dessa dupla perspectiva e, à medida que vai produzindo um inventário da língua, vai organizando tudo de modo a possibilitar a construção do material. Certamente, se essa língua a ser dicionarizada já contar com um grande acervo de textos escritos, pode-se ter uma grande vantagem no momento de selecionar o que se busca”. No entanto, quando se trata da lexicografia indígena, Jorge Lopes adverte que a dificuldade tende a ser maior porque grande parte das línguas indígenas do Brasil dispõe de poucos textos escritos, por isso a maior parte da lexicografia indígena se baseia em dados transcritos da fala das pessoas.

“Nesse contexto, a própria criação de um dicionário de uma língua indígena representa, em muitos casos, o início de um processo de reforço ao desenvolvimento da cultura escrita do povo falante dessa língua, podendo até reforçar a própria percepção de valorização da língua falada pelo grupo, pois a ‘língua do colonizador’, como o português, já está amplamente difundida por meio da escrita, nos mais diferentes contextos sociais”, observa.
O papel da universidade na defesa das conquistas indígenas
Ao comentar o processo de elaboração das políticas públicas para os indígenas brasileiros, Jorge Lopes avalia que, durante muito tempo, buscou-se pensar a valorização dos povos indígenas sem incluir esses povos na discussão, daí surgiram políticas e foram tomadas decisões com base no “olhar exterior”, que impactaram, nem sempre de modo positivo, a existência dos povos indígenas do Brasil. “Hoje, acredito que esses mesmos indígenas, que um dia viram suas terras serem tomadas à força e seu povo dizimado, devam ser os primeiros agentes de seu futuro, pois cada povo pode e deve determinar o que é melhor para si. Eles precisam ter, de fato, sua autonomia reconhecida, seu território devidamente demarcado, o direito de usar e de ensinar as línguas de seu povo com dignidade. Há que se ter uma escola diferenciada, planejada e realizada pela própria comunidade”, defende o pesquisador.
O pesquisador do Campus Tocantins-Cametá da UFPA entende que esse objetivo exige uma grande mobilização de todos os povos indígenas do Brasil, em prol não somente da manutenção dos direitos já conquistados, mas também, sobretudo, da ampliação desses direitos, com vistas a garantir a existência dos povos indígenas com dignidade, respeito e liberdade. “A UFPA, ao realizar pesquisas envolvendo temáticas indígenas, participa desse movimento de resistência dos indígenas, contribuindo decisivamente para que haja maior compreensão do universo social, cultural e linguístico dos povos indígenas, e entende que o diálogo entre esses povos e os diferentes saberes é crucial para a construção de um futuro melhor para toda a humanidade”, conclui.