Redes colaborativas de pesquisa podem contribuir para reduzir as desigualdades regionais, ampliar o acesso à ciência e enfrentar os desafios ambientais da Amazônia. Esses são os destaques do estudo publicado na Proceedings of the Royal Society B. O estudo, liderado pela pesquisadora Bethânia Resende, do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Síntese da Biodiversidade Amazônica (INCT-SinBiAm), apresenta o Programa de Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT).
A pesquisa, desenvolvida com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), demonstra que a colaboração em rede é uma estratégia fundamental para fortalecer a ciência brasileira e promover a conservação da Amazônia. O estudo evidencia que, apesar dos avanços alcançados pelo Programa INCT desde sua criação, em 2008, a distribuição dos recursos de pesquisa ainda reflete desigualdades históricas entre as regiões do Brasil.
De acordo com os dados apresentados, o Sudeste concentra a maior parte das redes financiadas (191), seguido pelo Nordeste (51), Sul (45), Norte (21) e Centro-Oeste (16). Mesmo abrigando a maior floresta tropical do planeta e respondendo por mais de 60% da Amazônia Legal, a Região Norte recebeu um número reduzido de redes e bolsas, demonstrando uma assimetria na infraestrutura científica e na capacidade institucional entre as regiões, o que afeta a produção de conhecimento em temas estratégicos como clima, biodiversidade e desenvolvimento sustentável. Entre os 13 INCTs atualmente ativos na região, sete estão diretamente voltados à biodiversidade amazônica e todos se concentram em duas cidades: Manaus (AM) e Belém (PA). “A Amazônia é um centro de relevância global, mas, na hora de financiar a pesquisa, esse protagonismo ainda não aparece”, destaca Leandro Juen, coordenador do INCT-SinBiAm e professor da UFPA.
“Conforme mostram os resultados do nosso estudo, embora a região represente cerca de 45% do território brasileiro, os recursos destinados à pesquisa ainda não chegam de forma proporcional. Mesmo assim, as instituições amazônicas já são hoje as principais responsáveis pela produção de conhecimento na e sobre a Amazônia, o que demonstra o enorme esforço e comprometimento dos pesquisadores locais. Esse cenário evidencia grandes desafios, especialmente para quem atua no interior ou fora das capitais e reforça a necessidade de fortalecer essas instituições para garantir uma ciência mais equilibrada e representativa da diversidade do país”, reforça o professor da UFPA.
Outra desigualdade apontada pelo estudo também se refere à baixa representatividade de mulheres na coordenação das redes INCT. Segundo o estudo, apenas 25% dos coordenadores são mulheres; e nas redes voltadas à biodiversidade amazônica, esse número cai para 20%. Embora a participação feminina seja mais equilibrada entre bolsistas e técnicos, a liderança científica ainda é predominantemente masculina. “A diversidade de gênero e de região é fundamental para garantir perspectivas e soluções distintas. Investir em equidade é investir em inovação e qualidade científica”, afirma Bethânia Oliveira de Resende, primeira autora do artigo.
Novas ferramentas e integração – Entre os resultados apresentados, o estudo destaca, ainda, o desenvolvimento do Taoca, primeiro banco de dados abrangente sobre biodiversidade amazônica, que reúne mais de 6.800 espécies de Aves, besouros, formigas, insetos aquáticos, peixes e macrófitas. A ferramenta, desenvolvida em parceria com a empresa brasileira QuipoTech, utiliza modelos de aprendizado de máquina para validar e atualizar informações taxonômicas e geográficas, permitindo que os dados sejam utilizados em políticas de conservação e de gestão ambiental.
“A Taoca é uma ferramenta sem precedentes para a Amazônia. Ela reúne registros de espécies e de grupos biológicos, que antes estavam dispersos em coleções, planilhas e publicações. Agora, essas informações são integradas e disponibilizadas de forma aberta, respeitando o protagonismo dos pesquisadores locais e a autoria dos dados. Este cuidado é fundamental: garantir acesso sem abrir mão da soberania científica e do reconhecimento de quem gera conhecimento na Amazônia. Ela acelera novas descobertas, fortalece políticas públicas e coloca a ciência amazônica em pé de igualdade com os grandes bancos de dados globais”, explica Filipe França, coordenador do INCT-SinBiAm e coautor do estudo.
Para os autores do estudo, a integração entre cientistas, formuladores de políticas, povos tradicionais e comunidades locais é essencial para proteger a biodiversidade e garantir o bem-estar das populações amazônicas. E será por meio da coprodução de conhecimento, construída com base no diálogo entre saberes científicos e tradicionais, que será possível enfrentar desafios socioambientais complexos, como as mudanças climáticas e a perda de habitats.
“A Amazônia é feita de pessoas e de conhecimentos diversos. Conectar esses saberes é a melhor forma de cuidar da floresta e garantir um futuro para quem vive nela. A ciência em rede não é apenas sobre dados, mas sobre construir pontes entre mundos que precisam se ouvir e se respeitar”, afirma Bethânia.
Sobre o INCT-SinBiAm – Criado em 2023, o INCT-SinBiAm tem sede na Universidade Federal do Pará (UFPA) e reúne 47 instituições e mais de 100 pesquisadores do Brasil e de outros países. O instituto busca sintetizar o conhecimento sobre a biodiversidade amazônica, integrar dados de ecossistemas terrestres e aquáticos e formar profissionais capazes de atuar em políticas públicas, na educação ambiental e na pesquisa aplicada.
“O INCT-SinBiAm mostra que é possível fazer ciência de ponta com protagonismo amazônico, equidade de gênero e envolvimento direto das comunidades locais”, destaca Filipe França, pesquisador da Universidade de Bristol (Reino Unido), coordenador do INCT-SinBiAm e coautor do estudo.
O artigo destaca que o INCT-SinBiAm pretende ampliar sua atuação nos próximos anos, gerando e disponibilizando mais dados ecológicos e fortalecendo ações de formação e engajamento. Entre as prioridades, estão a valorização das vozes de povos indígenas e comunidades tradicionais, a inclusão de educadores e jovens cientistas nos projetos e a promoção de novas parcerias internacionais para consolidar a Amazônia como polo global de conhecimento e inovação. “Manter jovens pesquisadores na Amazônia ainda é um grande desafio. Por isso redes como o SinBiAm são tão importantes: elas criam pontes, oportunidades e esperança. A floresta precisa de dados, mas também de pessoas, histórias e sonhos — e é isso que o SinBiAm representa”, completa Bethânia.
Para conferir o artigo completo, acesse a Proceedings of the Royal Society B.




