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TAMANHO DA FONTE

Cientistas alertam para a proximidade do ponto de não retorno no sul da Amazônia

O aquecimento global e o desmatamento já têm contribuído para o prolongamento da estação seca no sul da Amazônia, para o aumento do déficit de umidade e para o aumento da taxa de mortalidade de árvores, o que demonstra o quão perto a Amazônia está do ponto de não retorno. O alerta foi feito durante a Mesa-Redonda “Caminhos para afastar a Amazônia do ponto de não retorno”, que integrou o último dia de programação científica da 76ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

No auditório do Centro de Eventos Benedito Nunes, no Campus Guamá da Universidade Federal do Pará (UFPA), os cientistas do Painel Científico para a Amazônia abordaram os desafios atuais enfrentados pela floresta e os riscos originados pelo ponto de não retorno, além de apresentar, como parte das soluções possíveis para reverter o quadro, a adoção de uma nova sociobioeconomia. 

O pesquisador colaborador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP) e copresidente do Painel Científico para a Amazônia, Carlos Afonso Nobre, fez um apanhado histórico que explica o que levou ao desenvolvimento da Amazônia como se conhece hoje.

Segundo o climatologista, desde que os Andes se elevaram, o que começou há 40 milhões de anos e encerrou há 6 milhões de anos, criou-se um ambiente propício à ocorrência de muita chuva e de um clima favorável na floresta amazônica. Uma evolução geológica, ecológica e climática que permitiu o desenvolvimento da maior biodiversidade do planeta. “O resultado dessa evolução de dezenas de milhões de anos é a biodiversidade de plantas e animais muito alta; reciclagem de água muito eficiente; reciclagem de nutrientes muito eficiente e bioma muito úmido que bloqueia o espalhamento do fogo”. 

Mas, mesmo diante de uma importância ímpar, os processos que se seguiram, sobretudo a partir da década de 70, e que consideraram a floresta como sinônimo de atraso levaram a um grande desmatamento e degradação de parte da floresta amazônica, o que hoje oferece um grande risco não apenas para a regulação do clima global, como também para a própria manutenção da vida na Terra. “A degradação está explodindo nos últimos anos. Nos últimos 10 anos, por exemplo, as áreas degradadas foram o dobro das áreas desmatadas”, alertou Carlos Nobre. 

Diante desse cenário, o pesquisador alertou que os sinais de que a floresta amazônica, especialmente a região sul, está chegando próximo ao ponto de não retorno estão evidentes. “O mais preocupante é que, nos últimos 40 anos, em todo o sul da Amazônia, a estação seca está 4 a 5 semanas mais longa. Historicamente, a estação seca dura de 3 a 4 meses, mas sempre com chuva, o mínimo de chuva em toda essa região eram 40 mm no mês mais seco. Mas agora esse período está ficando mais longo e mais seco”. 

Fotografia em plano aberto da parte interna do auditório do Centro de Eventos Benedito Nunes na UFPA. A fotografia registra um auditório com a maioria de suas cadeiras ocupadas. No palco, há uma mesa com quatro pessoas sentadas. Na frente do palco uma pessoa, em pé, gesticula.

O grande risco é que, se essa estação seca atingir o período de seis meses, as pesquisas indicam que não haverá condição nenhuma de manter a floresta. Nesse caso, a floresta seria convertida a uma condição de savana tropical, cerrado. “Eu fico muito preocupado com esse dado. Em 1990 e 1991, eu e outros pesquisadores publicamos o artigo falando do risco de não retorno, porém, naquela época, havia 7% de desmatamento na Amazônia, e o artigo falou que, se o desmatamento ficasse muito grande, a estação seca, em todo o sul da Amazônia, iria passar de seis meses e viraria cerrado. Naquela época, aquilo era apenas uma projeção, mas olha o risco que nós estamos correndo agora”, considerou Carlos Nobre. 

Segundo Carlos Nobre, ainda que muitos cientistas considerem que essa região da Amazônia já passou do ponto de não retorno, ele acredita que ainda é possível reverter o quadro, mas, para isso, é preciso aumentar a governança na região; eliminar o desmatamento, a degradação e o fogo; conservar e restaurar a floresta e desenvolver o que é chamado de uma nova sociobioeconomia de floresta em pé e rios fluindo. 

Sociobioeconomia – De acordo com a pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental e professora dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Ambientais e Ecologia da Universidade Federal do Pará (UFPA), Joice Nunes Ferreira, antes de qualquer coisa, é preciso também compreender de que bioeconomia está se tratando. “A bioeconomia tem sido colocada como uma premissa de alternativa à economia convencional, a essa economia que gera destruição e degradação socioambiental. No entanto é muito importante refletir sobre o que é essa bioeconomia de que nós estamos falando?”.

Para qualificar melhor o termo bioeconomia, a pesquisadora explica que o que vem se consolidando é o uso do termo sociobioeconomia, que prevê alguns critérios fundamentais, sendo, esse sim, considerado um caminho para afastar o ponto de não retorno na Amazônia. “A sociobioeconomia tem que estar enraizada nas práticas locais, na cultura local e em princípios como equidade. O que poderia estar incluso neste conceito? Atividades que levam à conservação e restauração dos ecossistemas, que aumentam a cooperação e participação social, que protegem os direitos humanos e territoriais, que promovem benefícios sociais, que integram conhecimentos diversos como o científico e o tradicional”,  pontuou. 

Nessa busca de se encontrar caminhos para afastar a Amazônia do ponto de não retorno, o professor da Faculdade de Ciências Econômicas e do Programa de Pós-Graduação em Economia da UFPA e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Economia Aplicada da UFPA, Harley Silva, destacou também a importância de se refletir sobre o papel dos centros urbanos e da vida urbana na construção dessa bioeconomia almejada. “Nós estamos em busca de uma economia amazônica que seja compatível com a floresta em pé, rios fluindo, e que se baseie naquilo que é o aspecto distintivo da Região Amazônica, que é a combinação entre uma extensa e diversa constelação de recursos naturais renováveis e não apenas recursos naturais, mas também diversidade social. O aspecto-chave de um debate dessa natureza é criar diversificação econômica, com base em diversidade social e natural”, pontuou. 

Responsável por coordenar a mesa-redonda, o professor do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) e do Programa de Pós-Graduação em Economia da Faculdade de Economia Francisco de Assis Costa lembrou, ainda, que essa sociobioeconomia ou economia baseada em bioma já existe, sendo necessário apenas criar meios que possibilitem que ela tenha capacidade de se opor e de se defender da concorrência das demais estruturas que são destrutivas. 

Neste sentido, o professor lembrou que os grandes sujeitos dessa sociobioeconomia são os indígenas e populações tradicionais e reforçou a necessidade de rever noções equivocadas e enraizadas nos modelos atuais, como a que considera que o sucesso da cadeia produtiva do açaí dependeria do mercado internacional, retomando uma reflexão feita na conferência apresentada por ele também durante a programação científica da 76ª Reunião Anual. “É preciso relativizar noções que estão muito arraigadas e que nos preocupam: a noção de que, por exemplo, a importância do mercado externo é dominante, no caso do açaí. O que não é verdade”.

TEXTO: Comissão Local de Comunicação da 76ª da Reunião Anual da SBPC

FOTOS: Alexandre de Moraes

Relação com os ODS da ONU:

ODS 8 - Trabalho Decente e Crescimento EconômicoODS 9 - Indústria, Inovação e InfraestruturaODS 11 - Cidades e Comunidades SustentáveisODS 12 - Consumo e Produção ResponsáveisODS 13 - Ação Contra a Mudança Global do Clima

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