Desde o final da década de 80, ganharam impulso nos meios acadêmicos as pesquisas voltadas à redução de emissões de gases do efeito estufa. Na Universidade Federal do Pará (UFPA), vários laboratórios passaram a realizar pesquisas com materiais alternativos àqueles que produzem e liberam carbono, buscando reduzir ou até eliminar emissões que poluem o ambiente e causam danos à saúde humana e animal. Atualmente, muitas dessas pesquisas estão consolidadas e oferecem produtos viáveis ao mercado.
Um exemplo é a pesquisa da bióloga Verônica Scarpini Cândido, doutora em Ciência dos Materiais pelo Instituto Militar de Engenharia (IME) e professora adjunta da Faculdade de Engenharia de Materiais do Campus de Ananindeua-UFPA, voltada para a produção de um cimento geopolimérico, isto é, um tipo de cimento que não utiliza clínquer em sua composição ou processo de fabricação. O clínquer é o produto semiacabado resultante da queima de calcário e argila em forno rotativo a altas temperaturas.
O cimento é considerado um dos vilões do aquecimento global, sendo responsável por 7 a 8% de todas as emissões do dióxido de carbono (Co²) feitas pelo homem. A indústria cimenteira impacta o ambiente não somente devido às emissões de dióxido de carbono, que resulta da queima do calcário, um processo que emite gases, mas também por causa do uso de combustíveis fósseis. A fabricação de cimento também expele uma grossa camada de poeira fina na atmosfera, bastante prejudicial à saúde dos moradores do entorno das indústrias. O próprio processo de extração das matérias-primas do cimento, o calcário e a argila, também causa dano ao solo.
Segundo Verônica Scarbini, o processo de fabricação do cimento contribui, em grande escala, para a emissão de gases do efeito estufa, pois, durante o processo de fabricação, é emitido o gás carbônico, um dos principais gases magnificadores do efeito. “Acredita-se que, a cada tonelada de clínquer produzido, haja uma emissão de 800 a 1000 kg de CO2. Essa quantidade é bastante expressiva, o que torna a indústria do cimento uma das maiores emissoras de CO2 do mundo”, ressalta.
Uma alternativa à emissão de CO2 e à degradação do ambiente, ressalta a pesquisadora, seria lançar mão de combustíveis menos poluentes e de origem vegetal. Além disso, existem diversos estudos que apontam para um novo tipo de material base para a fabricação de cimentos sustentáveis que não utilizam o clínquer como matéria-prima. “Novos materiais vêm sendo constantemente desenvolvidos. Uma alternativa seria o cimento geopolimérico, que não usa o clínquer na sua fabricação e possui excelentes propriedades mecânicas”.
Entre os novos materiais, a professora cita sua pesquisa sobre um tipo de cimento alternativo – a denominação convencionada mundialmente para o material usualmente conhecido na construção civil como cimento – que utiliza a escória de alto forno, um subproduto da fabricação ferro gusa que, por sua vez, é utilizado na produção do aço. Ela explica que os cimentos ecológicos utilizam a escória de alto forno, os resíduos da mineração do caulim e as cinzas de resíduos agroindustriais, como a cinza das cascas do café e do arroz, que são fontes de cálcio e silício e se configuram como elementos essenciais na fabricação desses cimentos. “De maneira geral, os cimentos ecológicos são viáveis à produção industrial. A utilização de resíduos em sua composição contribui para o desenvolvimento de resistência mecânica do produto final e aponta a uma destinação ambientalmente correta dos resíduos”, afirma.
Materiais de baixo impacto ambiental – Recentemente eleita para a Academia Brasileira de Ciência, a trajetória da cientista Verônica Scabini Cândido está voltada à busca por alternativas mais sustentáveis e de baixo impacto ambiental, como seus estudos nas linhas de pesquisa sobre viabilidade de inserção de resíduos sólidos industriais em matriz cerâmica para fabricação de novos materiais; análises, avaliação e gerenciamento de áreas contaminadas; desenvolimento de novos materiais com tecnologia sustentável e propriedades superiores aos materiais já existentes, entre outras áreas de atuação.
O uso das fibras naturais amazônicas como agente de reforço de compósitos de matriz polimérica para aplicação na construção civil, uma de suas pesquisas em andamento, busca novos empregos a fibras e resinas naturais de vegetais amazônicos, geralmente empregadas na produção de artesanato. Seu interesse é a produção de material para uso na construção civil. Um desses estudos, concluído entre 2016 e 2018, deu uma utilidade nobre ao lodo, o material proveniente do processo de tratamento de esgoto, um resíduo até então sem utilidade, geralmente descartado de maneira incorreta no ambiente. “Trata-se de um resíduo que pode conter metais pesados e organismos patogênicos que podem causar danos à saúde dos seres humanos, além de danos ambientais irreversívceis. Tive por objetivo avaliar a influência da adição do lodo das estações de tratamento em massa argilosa nas propriedadeds e microestrutura de cerâmica branca para produção de piso vitrificado”, explica a professora.
Durante o seu doutorado, realizado no Instituto Militar de Engenharia, ela desenvolveu um material alternativo, com base em materiais biológicos, que pudesse ser aplicado no setor de proteção balística. O bagaço de cana-de-açúcar apresentou-se como alternativa viável. A pesquisa foi motivada pelo ineditismo do assunto e pela enorme quantidade de resíduo gerado sem destinação final ambientalmente correta. As muitas pesquisas da professora Verônica Scarbini são exemplos da necessidade de aplicar um gerenciamento efetivo de resíduos sólidos industriais por meio de tecnologias alternativas para o desenvolvimento de produtos com baixo impacto ambiental.

