O acesso ao ensino superior, muitas vezes, mostra-se distante da realidade de diversos brasileiros, seja por falta de oportunidades viáveis, seja pela falta de recursos necessários. Para modificar essa realidade e tornar essa oportunidade viável para jovens estudantes do Território Quilombola do Mocambo de Ourém, um grupo de educadores se uniu para a criação do Curso de Extensão preparatório para o Processo Seletivo Especial (PSE) da UFPA. A iniciativa, que se dividiu em dois momentos de preparação (redação e entrevista presencial), teve como primeiros resultados a entrada de dez jovens no ensino superior, já no PSE 2022.
A ação na comunidade quilombola surgiu de um convite feito pela Associação do Território Quilombola do Mocambo aos professores Valério Gomes, do Instituto Amazônico de Agriculturas Familiares (Ineaf/UFPA), e Josias Sales, do Instituto Federal do Pará (IFPA). E, assim, os dois procuraram envolver outros profissionais na realização da atividade: Robson Rua, professor de Letras, da UFMarcelo Almeida, historiador e professor do ensino médRafaela Cunha, socióloga e mestra em Agriculturas Familiares; André Moraes, geógrafo e mestre em Ciências do Ambiente
Segundo a professora Maridalva Santos, a maioria dos jovens que vivem na localidade não possui recursos para fazer um curso preparatório de redação, técnicas orais e comportamentais, algo que é preciso ter o domínio para a realização do PSE. “No ano passado, eu tive a oportunidade de conhecer essas pessoas maravilhosas que vieram até o quilombo para ajudar os jovens da comunidade. Por isso, eu sou imensamente grata por eles terem trazido conhecimentos sobre redação e postura comportamental para uma entrevista. Tais coisas foram imprescindíveis para o alcance de alguns deles à graduação”, aponta a professora.
Para Valério Gomes, a troca de conhecimento o auxiliou também a pôr em prática suas experiências teóricas com o perfil e as origens desses estudantes. “Foi uma experiência bem frutífera em que buscamos integrar uma necessidade específica da comunidade com questões de produção de conhecimentos em temas de nossos interesses na academia. Os dois principais responsáveis pela iniciativa têm origens familiares no município e isso facilitou diálogos e mobilização para cooperação”, declara o professor da UFPA.
Além de a equipe de profissionais ter contribuído para a preparação dos estudantes, o desenvolvimento do projeto também os instigou a conhecer melhor a sua própria cultura e a valorizar, ainda mais, os saberes tradicionais por meio de métodos de pesquisa-ação, com a elaboração de um questionário aberto para ser aplicado aos residentes mais velhos. O resultado da ação foi o surgimento de uma cartilha intitulada “As Guardiãs do Saber Popular: Rezadeiras e Benzedeiras do Quilombo do Mocambo no Município de Ourém-Pa”, que está em processo de revisão para publicação.
Um dos coordenadores da iniciativa, Josias Sales, afirma que valorizar esses conhecimentos tradicionais é fundamental para que as identidades coletivas de comunidades como a do Mocambo sejam positivadas, especialmente em um país onde o racismo ainda é tão vigente. “Esses conhecimentos, essas memórias passaram de geração para geração e, caso não sejam catalogados, correm o risco de sucumbirem com a morte dos moradores mais velhos.”
Acesso ao ensino superior – O resultado do primeiro curso preparatório oferecido pelo projeto entre os meses de julho e agosto de 2021 já pôde ser visto no último Processo Seletivo Especial para Indígenas e Quilombolas (PSE 2022). Dez jovens da comunidade já tiveram suas realidades transformadas com o ingresso deles em diferentes cursos da graduação da UFPA. Laura Fernanda, uma das participantes do curso, assegura que a iniciativa promovida pelos professores a impactou da melhor maneira possível.
“Eu já estava sem motivação para estudar e lutar por uma vaga na universidade, mas, com essa iniciativa, consegui melhorar minha escrita, tendo um maior senso crítico sobre a realidade em que nós, quilombolas, vivemos. Portanto posso afirmar, com toda certeza, que essa vivência foi de suma importância para que eu conseguisse a tão sonhada aprovação”, confessa a jovem caloura de 19 anos, aprovada no curso de Licenciatura em Música.
O apoio oferecido pela equipe de profissionais, com aulas focadas em técnicas de redação e instrução comportamental para as entrevistas presenciais, garantiu que hoje os estudantes do quilombo vivenciem novas expectativas em relação à entrada no ensino superior. “Tenho ótimas expectativa, e sei que a Universidade me trará novos conhecimentos, algo que vai me capacitar a aprender para que então eu possa voltar à minha comunidade com uma boa formação e, assim, repassar os meus conhecimentos adquiridos na UFPA”, assegura Ana Paula, também beneficiada pela iniciativa e classificada no curso de Licenciatura em Teatro.
Texto: Leandra Souza – Assessoria de Comunicação Institucional da UFPA
Fotos: Valério Gomes