Na última quinta-feira, 4 abril, foi realizado, no Centro de Eventos Benedito Nunes da UFPA, o Colóquio “Democracia Conquistada: 50 Anos da Revolução dos Cravos”, em alusão ao dia 25 de abril de 1974, data que marcou o fim de uma ditadura que se estendeu por mais de quarenta anos em Portugal. O evento homenageou também a memória do Professor Eduardo Lourenço, intelectual português, filósofo, crítico e ensaísta literário, falecido em 2020, aos 97 anos.
Promovido pela Reitoria da UFPA, pelo Vice-Consulado de Portugal em Belém, pelo Conselho da Comunidade Luso-Brasileira do Pará e pela Cátedra João Lúcio de Azevedo, parceria entre o Instituto Camões e a UFPA, o colóquio foi aberto com uma apresentação musical dos professores da Escola de Música da UFPA, Marcos Cohen, na clarineta, e Carlos Pires, no piano digital.
Na sequência, participaram da mesa de abertura o reitor da UFPA, Emmanuel Zagury Tourinho, o embaixador de Portugal no Brasil, Luís Faro Ramos, a vice-cônsul de Portugal em Belém, Maria Fernanda Gonçalves Pinheiro, o representante do Conselho da Comunidade Luso-Brasileira do Pará, Vitor Manuel Jesus Mateus; e a professora Nazaré Sarges, diretora da Cátedra João Lúcio de Azevedo (parceria do Instituto Camões e UFPA).
Os componentes da mesa lembraram a importância da Revolução dos Cravos para a construção da democracia em Portugal e como inspiração para outros países. O embaixador de Portugal no Brasil, Luís Faro Ramos, registrou que 2024, além da celebração dos 50 anos da Revolução dos Cravos, é um ano particularmente especial para a comunidade portuguesa, pois também são comemorados os 500 anos do nascimento do poeta Luís Vaz de Camões e o Centenário do intelectual Eduardo Lourenço.
Também ressaltou que a memória dessas datas ajuda a fortalecer a defesa da democracia. “Quem nasceu após 25 de abril de 1974, nunca soube o que era viver sem liberdade. Hoje, cinquenta anos depois, quando vemos o surgimento de populismos, totalitarismos e extremismos, devemos lembrar a todos que essa conquista não é eterna. Nós é que temos que fazer com que ela dure”, declarou o embaixador.
O reitor da UFPA, Emmanuel Tourinho, por sua vez, fez um paralelo entre Brasil e Portugal. “Temos muitas lições a tirar, portugueses e brasileiros, de nossas histórias políticas. A principal é nunca pensar que a democracia é uma conquista acabada e permanente. A democracia se constrói, se conquista, a cada dia, a cada disputa na sociedade, a cada esforço para garantir a cidadania. Por isso se há maneira de torná-la mais resiliente e perene, mais capaz de enfrentar as frequentes ameaças autoritárias, essa possibilidade inclui o investimento em educação, ciência, arte e cultura. Celebramos a democracia com os ouvidos atentos e o olhar apreensivo de quem vê ameaças autoritárias rondando as sociedades de todos os continentes. As eleições recentes em Portugal e no Brasil nos são um alerta. Neste momento, são as nossas lutas pela democracia que nos aproximam e são as nossas histórias que formam os nossos presentes”, refletiu o reitor.
Participando remotamente, a jornalista e presidenta da Fundação José Saramago, Pilar del Río, falou sobre o legado e a memória de Eduardo Lourenço. Assista à mensagem na íntegra abaixo.
Conferências – Compondo a programação do colóquio, três conferências abordaram a história e os desdobramentos de 1974 em Portugal e além-mar. Ainda durante a manhã, o jurista e ex-ministro da Cultura de Portugal, José António de Melo Pinto Ribeiro, proferiu a conferência “O 25 de Abril em 1974 e em 2024, sem Trompetes nem Trombones”.
“O 25 de abril é muito antes e muito depois do 25 de abril”, falou José António Ribeiro para explicar os movimentos que desencadearam a deposição do então presidente Marcello Caetano e que se sucederam à data histórica. O intelectual também explanou que a Revolução não se concentrou em Lisboa, mas ocorreu essencialmente também nas então colônias, não sendo possível pensar em uma solução democrática para o país que não estivesse atrelada à independência imediata das colônias e à busca de condições para convivência de brancos e negros sem escravidão.
No período da tarde, a jornalista Anabela Mota Ribeiro, proferiu a conferência “Como casa limpa / Como chão varrido / Como porta aberta: os habitantes de uma casa chamada Liberdade”. Com título inspirado em versos da poetisa portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen, Anabela apresentou uma série de personagens mulheres entrevistadas que tinham em comum o fato de terem nascido após 25 de abril de 1974. A partir de perfis e histórias distintas, Anabela reflete sobre o significado e a importância da Revolução dos Cravos para chamados “Filhos da Madrugada”, uma geração que, como disse o embaixador Luís Faro Ramos, “não soube o que é viver em um país sem liberdade”. “Filhos da Liberdade” é o título também de um programa de TV apresentado, entre 2021 e 2022, por Anabela Mota Ribeiro em Portugal e de um livro escrito pela jornalista.
Finalizando a programação do Colóquio, o filósofo, ex-ministro da Educação no Brasil e atual presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Renato Janine Ribeiro, falou sobre “A conquista da democracia em Portugal e no Brasil”. Ao fazer o comparativo entre a história dos dois países, o intelectual destacou que para entender as dificuldades que o Brasil tem para lidar com a memória das ditaduras, diferentemente de outros países como Portugal, é que os principais movimentos que levaram a mudanças políticas significativas foram orquestrados de “cima para baixo”.
Citou como exemplos a Independência do Brasil deflagrada por um monarca, o imperador Dom Pedro I; a República proclamada por um marechal do Império, Deodoro da Fonseca; a Revolução de 1930 feita por oligarcas; a deposição de Getúlio Vargas em 1945 conduzida por generais; e o fim da ditadura militar em 1984 que levou à presidência do Brasil um ex-presidente do partido da ditadura, José Sarney. “Isso explica, em parte, porque é tão difícil para o país fazer um ajuste de contas com o passado”.
Renato Janine também falou da preocupação, entre brasileiros e portugueses, com a nova ascensão da extrema direita hoje. “A direita foi fagocitada pela extrema direita. Temos o dever de lutar pela democracia com duas linhas políticas em disputas, esquerda e direita, que mesmo com métodos diferentes, possuam como linhas comuns erradicar a pobreza, manter a paz com os países vizinhos, garantir a liberdade. A democracia é um work in progress, que precisa continuar, não só no âmbito político. Nas relações sociais, de trabalho e afetivas ainda há muito a se fazer”, concluiu.