Dia da Amazônia: Conhecimento amazônico fortalece a educação, a ciência e o protagonismo local

Especial Beira do Rio

A Amazônia é feita de diferentes povos, paisagens diversas, prédios, cultura ancestral, tecnologia e, é claro, floresta. Com mais de 4 milhões de km² espalhados por nove países, abriga cerca de 35 milhões de habitantes e tem um dia próprio no calendário: 5 de setembro. Para muitos, a data é um momento de conscientização ambiental. Mas, em ano de COP, é preciso ampliar o olhar para incluir modos de vida, educação, economia e combate a estereótipos.

André Farias, pesquisador do Núcleo de Meio Ambiente da UFPA e especialista em ecologia política e racismo ambiental, explica que transformar a relação da sociedade com a Amazônia exige protagonismo dos povos, embora barreiras históricas ainda existam. “Na prática, garantir esse protagonismo é dar visibilidade e voz a esses sujeitos sociais”, pontua.

A COP 30 surge como oportunidade estratégica para ampliar o debate sobre justiça ambiental e visões da Amazônia. Mas, segundo André, ainda há pouca presença nesse campo. Ele destaca que as injustiças socioambientais recaem de forma desproporcional sobre os grupos mais vulneráveis e estão enraizadas em um tripé patriarcal, elitista e racista que exige transformação estrutural.

“A superação do quadro de injustiça ambiental passa pela superação dessas estruturas. Para isso, é essencial dialogar com diferentes saberes, sem perder de vista o conhecimento enraizado na população e no território, pois, só conhecendo nossos problemas, seremos capazes de construir alternativas”, pontua. 

A valorização do conhecimento local conecta-se ao papel da comunicação ambiental. Segundo Alda Costa, docente do Programa de Pós-Graduação Comunicação, Cultura e Amazônia (PPGCom/UFPA), ao vender uma imagem “verde” que não corresponde à realidade, a imprensa arrisca credibilidade e pode ser cúmplice do marketing

“Precisamos lutar contra as coberturas que privilegiam os discursos institucionais e corporativos que aparentam compromisso ambiental, mas ocultam práticas predatórias ou insuficientes. As consequências incluem a manutenção de modelos econômicos insustentáveis, a invisibilização de conflitos socioambientais e a marginalização das vozes que denunciam injustiças. Hoje, as pessoas constroem o sentido social por meio da mídia, das redes sociais”, afirma.

O desafio da comunicação se reflete diretamente na COP 30. Para a pesquisadora, o evento pode reforçar clichês se for tratado apenas como vitrine, centrado em imagens estereotipadas e slogans vazios. Mas também pode romper essa lógica, dando protagonismo às vozes amazônicas e mostrando a complexidade dos desafios socioambientais.

“É essencial que a comunicação do evento e sua cobertura jornalística estejam comprometidas em dar visibilidade a conflitos reais, às políticas públicas necessárias e às soluções construídas localmente, garantindo que os povos da Amazônia estejam presentes não somente como figurantes, mas também como protagonistas nas mesas de decisões e nos espaços midiáticos”, explica Alda.

Etnosaberes na formação de professores ribeirinhos de Cametá

Essa lógica de protagonismo se estende ao meio acadêmico e à educação. É preciso falar mais com o amazônida que sobre ele, adotando metodologias participativas que reconheçam a Amazônia como sujeito de conhecimento e não apenas como objeto de estudo. “Temos que dar protagonismo a quem está aqui, mostrando a Amazônia como um território vivo, diverso e complexo e não como um cenário exótico ou homogêneo”, avalia a docente.

A dissertação de Flávia Pinto Alves, egressa do Programa de Pós-Graduação em Docência em Educação em Ciências e Matemática, intitulada Formação continuada distrital de professores ribeirinhos: princípios norteadores dos saberes culturais para o ensino de ciências, aborda a temática. A motivação nasceu após a pesquisadora notar que, durante a sua formação continuada, os professores tinham que deixar a sala de aula e ir para a cidade fazer curso de formação, e os etnosaberes, conhecimentos e práticas tradicionais não estavam presentes na formação.

Quando assumiu a direção de Ensino do município de Cametá, teve a oportunidade de olhar por um outro ângulo e sair do gabinete para fazer formação continuada distrital, buscando tirar os professores da zona de conforto, entrelaçar a interdisciplinaridade com a ética nos saberes e envolver a cultura.

Assim construiu a sua pesquisa. Fez uso da metodologia de pesquisa narrativa para coletar e analisar dados sobre experiências humanas e buscou compreender como as pessoas interpretam e dão sentido ao mundo ao seu redor. Ela conta que construiu a sua dissertação, metaforicamente, como o crescimento de uma árvore. “Comecei nas raízes, depois fui para o caule, que são os anéis de crescimento, onde eu falo toda a minha trajetória profissional. De lá, fui para as flores e os frutos e, por último, a semente, que é o produto educacional”, explica.

O produto educacional, descrito como uma “semente”, é uma cartilha que busca ser simples e acessível para professores. A aplicabilidade do plano é promissora, podendo ser adaptada e replicada em outras comunidades com realidades semelhantes. Em alusão ao Dia da Amazônia, Flávia menciona que devemos ter um olhar mais atento para a educação ribeirinha no chão da escola, dentro do lugar onde o professor está inserido. “Essa discussão não pode ficar engavetada, ela não pode parar. O produto traz exatamente isso. Resgata a memória dos professores lá onde ele está inserido, monta as oficinas e monta, em sequência, os planos pedagógicos. E tu podes ter certeza de que dá muito certo, não é um bicho de sete cabeças. É uma questão de valorização mesmo”, pontua.

Empreendimentos solidários no Pará enfrentam desafios de gestão e produtividade

O protagonismo e a valorização de saberes locais também se refletem na economia. A economia social e solidária (ESS) é um modelo baseado em autogestão, cooperação e solidariedade, em que os trabalhadores são protagonistas na produção e distribuição de bens e serviços. Diferentemente do modelo tradicional, prioriza relações justas e sustentáveis, colocando as pessoas acima do lucro.

“A ESS defende a valorização das pessoas, que trabalham para ter uma vida justa, suprindo suas necessidades e de seus pares, em vez de se preocupar apenas com a lucratividade do investimento, como é feito no capitalismo tradicional”, explica Vanusa Santos, docente da UFPA, especialista em Economia solidária e desenvolvimento sustentável.

Celso Oliveira, motivado pela participação em um grupo de pesquisa, realizou um mapeamento detalhado dos empreendimentos solidários no Pará, base de dados Senaes, 2014. A dissertação Economia social e solidária: mapeamento dos empreendimentos solidários eficientes nos municípios paraenses buscou mensurar, de forma quantitativa, quais empreendimentos são eficientes ou ineficientes e identificou as atividades predominantemente coletivas na região.

“A ineficiência foi identificada por conta de o custo de produção ser maior que os retornos das receitas auferidas pelas vendas das mercadorias. Então, as informações analisadas na base de dados dos empreendimentos destacam que muitos dos empreendimentos não sabem calcular o que são custos e o que são receitas dos seus negócios. Desta forma, o estudo conseguiu verificar, com profundidade, a eficiência dos empreendimentos, mas o resultado esperado foi muito aquém do que a gente previu”, conta.

Uma possível estratégia para reverter esse cenário seria a criação de linhas de crédito específicas voltadas à economia solidária. Esse tipo de financiamento poderia transformar a lógica de sobrevivência em fortalecimento, permitindo que os empreendimentos deixem de operar em baixa escala e se tornem sustentáveis no longo prazo.

“Eles utilizam recurso próprio. Muitos deles são trabalhadores que utilizam essa produção, de biojoia, de produtos e venda de roupas, como a principal fonte de renda. Mas alguns grupos utilizam como uma renda subsidiária, então eles utilizam capital próprio, pegam o dinheiro deles, colocam na produção e, muitas vezes, não conseguem vender todo o produto. Produção eles possuem, mercado eles possuem, mas falta uma alavancagem de um crédito específico para eles. Não só para o agricultor, não só para o produtor de bens, mas para toda essa cadeia”, afirma Celso.

Além do crédito, Celso destaca que é possível pensar em outros caminhos para fortalecer os empreendimentos solidários, incluindo assessoria técnica, criação de incentivos fiscais e parcerias estratégicas. “Organizar as redes de cooperação e a criação de parcerias consistentes são essenciais para garantir o acesso a mercados e a troca de experiências e recursos entre os empreendimentos, além de incentivos fiscais e tributários, via políticas públicas, que tragam benefícios fiscais, para reduzir custos e aumentar a viabilidade dos empreendimentos solidários”, explica.

Deste modo, por trás de todas essas questões, fica claro que o conhecimento sobre a Amazônia não é neutro. Hoje, superar essa visão única e estereotipada exige reconhecer a diversidade de povos, saberes e modos de vida que compõem o território. Valorizar o protagonismo local, amplificar a voz das comunidades e apoiar práticas socioeconômicas sustentáveis é essencial para que a Amazônia seja compreendida em sua complexidade e respeitada como um espaço vivo, diverso e estratégico para o futuro do país e do planeta.

Leia mais:

TEXTO: Evelyn Ludovina - Jornal Beira do Rio

FOTOS: Alexandre de Moraes - Assessoria de Comunicação Institucional da UFPA

Relação com os ODS da ONU:

ODS 4 - Educação de QualidadeODS 9 - Indústria, Inovação e InfraestruturaODS 15 - Vida TerrestreODS 17 - Parcerias e Meios de Implementação

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