Em uma região com infraestrutura rodoviária, por vezes falha, e com diversos rios, o transporte fluvial é uma excelente opção de transporte, seja de passageiros, seja de cargas, do ponto de vista tanto social quanto econômico. No entanto, hoje, as embarcações que cortam os rios amazônicos são fontes de poluição, pois contribuem com emissões de gases como monóxidos de carbono, óxidos de nitrogênio e dióxido de enxofre, além de partículas que podem prejudicar a saúde humana e o meio ambiente, por terem motores a combustão, alimentados pela queima de óleo diesel. A substituição por motores elétricos é uma alternativa que busca reduzir o impacto ambiental e elevar a eficiência dos motores em patamares acima de 90%.
No Brasil, a Faculdade de Engenharia Naval do Instituto de Tecnologia da UFPA está se consolidando na vanguarda dos estudos e das pesquisas com embarcações elétricas, desenvolvendo projetos de grande importância para o futuro da mobilidade fluvial na Amazônia, em parceria com a Norte Engenharia S.A (Nessa). Um deles foi o primeiro catamarã elétrico da Amazônia, fruto de um projeto de pesquisa e desenvolvimento, por meio de um edital da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Outro projeto foi a construção de duas lanchas voadeiras elétricas (Poraquê I e II), que estão em operação no rio Xingu. O terceiro projeto, intitulado Projeto Enguia, prevê a construção de motores de popa elétricos, banco de baterias com supercapacitores, estação de recarga e uma embarcação.

O professor Emannuel Santiago Pereira Loureiro, diretor da Faculdade de Engenharia Naval da UFPA, explica que, além de os motores elétricos serem muito mais eficientes do que os motores a combustão, eles emitem zero gases de efeito estufa, eliminando a possibilidade de poluição hídrica com óleos e afins, impactando positivamente a tendência mundial de descarbonização da frota. “Há, ainda, outra vantagem: a possibilidade de utilização de fontes renováveis de energia (fotovoltaica) barateia o custo operacional das embarcações, diminuindo a dependência de combustíveis fósseis e facilitando o direito de ir e vir das pessoas, principalmente as mais vulneráveis. Uma vantagem adicional do motor elétrico em embarcações é o baixo nível de ruídos e vibração, garantindo muito mais conforto aos usuários”, comenta.
Segundo o diretor, que é responsável pelo desenvolvimento das áreas relacionadas a projetos navais, projetos portuários e estudos logísticos e de custo de transporte, o processo de descarbonização de frota é uma realidade não somente no transporte terrestre, mas também em diversos setores, e no transporte aquaviário não será diferente. “Hoje já é uma realidade que precisa ser cada vez mais escalonada”, acrescenta.
De olho no impacto social
Inaugurado em setembro de 2024, o catamarã Poraquê pode ser visto diariamente ancorado no píer do Campus Básico da UFPA. Ele utiliza dois motores elétricos de 12 kW cada um, três conjuntos de baterias, com capacidade para armazenar 47 kW, e 22 placas solares instaladas na parte superior da embarcação. O carregamento das baterias pode ser realizado de duas maneiras: por meio de energia solar, que garante uma autonomia de 8 horas; e por meio de estações de recarga de veículos elétricos (eletropostos). O catamarã elétrico tem capacidade para transportar 23 passageiros e dois tripulantes, tendo ainda espaço para cadeirantes. Atualmente, ele está sendo utilizado no trabalho da equipe de pesquisadores da Engenharia Naval e faz parte do Sistema Inteligente Multimodal da Amazônia (Sima), que possui, ainda, dois ônibus elétricos utilizados no transporte de estudantes e professores entre os Campi de Belém e Castanhal, da Universidade.

Voadeiras – A primeira voadeira elétrica da região amazônica fez sua viagem inaugural em maio de 2024, no rio Xingu,resultado de um projeto iniciado em 2022, desenvolvido pela UFPA e pela Norte Energia, concessionária da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. São duas voadeiras – Poraquê I e Poraquê II –, com tamanhos e capacidades diferentes. A primeira tem oito metros de comprimento e capacidade para seis passageiros; a segunda, dez metros e capacidade para oito pessoas. As voadeiras elétricas são movidas por um conjunto de dois motores de 20HP e possuem entre três e quatro baterias.
Projeto Enguia – Mais de 25 pesquisadores de diversas áreas da UFPA, entre engenheiros navais, eletricistas, especialistas em controle e automação, telecomunicações e mecânica, estão trabalhando na construção de protótipos de motores elétricos próprios para aplicação em embarcações de pequeno porte, preferencialmente voadeiras. O projeto iniciou em outubro de 2024 e terá duração de três anos, com apoio da Norte Energia.
Conselheiros tutelares – O Laboratório de Engenharia Naval da UFPA também trabalha em uma pesquisa multidisciplinar, que envolve engenharia e conhecimento psicossocial, de construção de embarcações elétricas para servirem ao trabalho dos conselheiros tutelares do arquipélago do Marajó. Esta ação conta com o apoio do Ministério de Defesa dos Direitos Humanos. As embarcações darão suporte ao enfrentamento da exploração de crianças e adolescentes da região. “Serão embarcações adequadas à operação, sendo confortáveis, seguras e com acessibilidade física, sensorial e cognitiva, melhorando as ações dos conselheiros e a expectativa das pessoas atendidas”, explica Emmanuel Loureiro.




