Em agosto de 2019, as(os) brasileiras(os) foram surpreendidas(os) pela presença de óleo nas praias nordestinas, e a contaminação espalhou-se para o Espírito Santo e o Rio de Janeiro. Embora as investigações da Polícia Federal tenham apontado o navio petroleiro NM Bouboulina, de bandeira grega, como o responsável pelo crime ambiental, não houve punição aos responsáveis, restituição ao governo brasileiro, tampouco reparação às comunidades atingidas.
Em virtude desta tragédia, o professor Pedro Paulo de Freitas, que é vinculado ao curso de Engenharia Costeira e Oceânica da Universidade Federal do Pará (UFPA), Campus Salinópolis, identificou que existiam poucos estudos acerca dos caminhos de intrusão de águas oceânicas superficiais na Plataforma Continental Amazônica (PCA).
“O derramamento de óleo de 2019 também afetou parte da costa do Maranhão e parte da costa do Pará. Isso evidenciou que a Corrente Norte do Brasil (CNB), localizada na borda da plataforma continental, modulou a entrada dos resíduos”, afirma. Essas inquietações motivaram o desenvolvimento do artigo Pathways of surface oceanic water intrusion into the Amazon Continental Shelf, publicado na revista Ocean Dynamics e do qual Freitas é o primeiro autor.
Águas oceânicas superficiais – De acordo com o estudo, plataformas continentais são áreas rasas (ou seja, possuem menos de 500m de profundidade), altamente dinâmicas e relevantes para a produtividade primária dos oceanos: os ciclos biogeoquímicos, o transporte e a deposição de sedimentos na interface continente/oceano, além do desenvolvimento de atividades econômicas estratégicas.
O trabalho liderado por Freitas objetivou identificar as vias preferenciais de intrusão de águas oceânicas superficiais na PCA nos Estados do Maranhão, Pará e Amapá. Adicionalmente, buscou caracterizar a sua variabilidade sazonal e compreender a sua correlação com a variabilidade temporal dos ventos alísios e da CNB. “A CNB modula a intensidade e a direção das correntes costeiras na plataforma externa, bem como projeta águas de baixa salinidade do Rio Amazonas para o mar do Caribe e para a região de retroflexão da CNB”, explica o estudo.
Sobre o estudo – Para a realização do estudo, foram utilizados dois procedimentos principais. O primeiro foi a análise de 306 trajetórias de derivadores de superfície ao longo de 1.344 km da PCA (os dados foram fornecidos pelo Global Drifter Program). O segundo consistiu na análise de 20 anos de simulações lagrangianas (modelo OceanParcels) liberando partículas diariamente, utilizando o campo de correntes da reanálise numérica de alta resolução (Global Ocean Reanalysis – GLORYS) fornecidas pelo Copernicus Marine Environment Monitoring Service (CMEMS).
Entre os resultados do estudo, destaca-se que a costa do Maranhão é uma via preferencial para intrusão de águas oceânicas superficiais na PCA, uma vez que a sazonalidade pouco interfere nas taxas de intrusão. Isso comprova que a área foi fortemente impactada pelo vazamento de óleo ocorrido em uma região oceânica, em 2019. Em comparação, a costa do Pará revela variações, com taxas mais altas de intrusão das águas oceânicas superficiais no período de outubro a março.
O pioneirismo e a importância do estudo liderado por Freitas residem na produção de informações para o gerenciamento costeiro. Em trabalhos futuros, espera-se conduzir análises experimentais por meio de coleta de dados de corrente, temperatura, salinidade e nível do mar na costa de Salinópolis, no nordeste paraense. “É importante que conheçamos modelos capazes de prever a entrada de águas oceânicas, sobretudo diante de possíveis desastres ambientais”, comenta o autor.
O estudo está no escopo do Projeto de Pesquisa “Variabilidade espaço-temporal da hidrodinâmica da plataforma continental Amazônica, Brasil”, contemplado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), processo 406506/2022-1.