A Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade Federal do Pará realizou, na última segunda-feira, 17, o lançamento oficial da coletânea Amazonicidades, obra dividida em três volumes que reúne pesquisas sobre cidades, urbanização e dinâmicas territoriais na Pan-Amazônia. O evento marcou a entrega dos exemplares aos autores e autoras que integram o projeto, além de celebrar uma rede de colaboração científica que tem se consolidado como referência nacional sobre os estudos urbanos na região.
Resultado de um esforço coletivo iniciado em 2022, o Amazonicidades articula pesquisas produzidas por 111 pesquisadores de 38 grupos de pesquisa registrados no CNPq e vinculados a diversas áreas do conhecimento, como: Arquitetura e Urbanismo, Geografia, Antropologia, Sociologia, Serviço Social, Direito, Engenharia, Planejamento Urbano e Economia. A rede engloba instituições dos nove estados da Amazônia Legal e integra universidades federais, estaduais e institutos federais, consolidando um espaço plural de diálogo interdisciplinar e intergeracional.
Para a professora Ana Cláudia Duarte Cardoso, docente da FAU e cocoordenadora do Amazonicidades, a coletânea é fruto de um processo de escuta e mobilização que conecta diferentes perspectivas sobre o urbano na Amazônia.

“A gente acha que já existe uma certa maturidade, já temos programas consolidados há muito tempo aqui, na UFPA, uma pós-graduação já bastante ‘robusta’ e seria muito interessante que se estabelecesse uma interlocução maior dentro dos pesquisadores da Região Norte. Então, esta iniciativa de constituir essa rede e esse observatório ‘Amazonicidades’ para esse propósito”, explicou a docente sobre o surgimento do projeto, que nasceu com a intenção de fortalecer uma interlocução regional entre programas de pós-graduação, grupos de pesquisa e pesquisadores de gerações diversas, criando um observatório crítico sobre as transformações urbanas amazônicas.
“Este esforço é um registro e um produto de uma organização coletiva. Nosso objetivo é promover o diálogo dentro da Amazônia, e agora buscamos ampliar a interlocução entre instituições e estados”, afirmou a coorganizadora.
A professora também destaca que o lançamento ocorre em um momento estratégico, durante a Conferência das Partes em Belém (COP 30), quando temas ligados ao clima, à ecologia e à floresta ganham maior visibilidade internacional, mas, muitas vezes, deixam a urbanização amazônica em segundo plano. “Ainda há quem pense que, na Amazônia, não existem cidades. Queremos mostrar que elas existem, são diversas e fazem parte da solução para a floresta. Esse material é fundamental para iniciar essa argumentação”, reforçou a professora.
O pesquisador José Carlos Matos Pereira – pós-doc da UFRJ e do PPGAS (Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social) do Museu Nacional e também coordenador do Amazonicidades, relembra que a rede começou com a proposta de fortalecer o debate amazônico com base nas múltiplas áreas do conhecimento. “Queríamos que essas disciplinas conversassem entre si, conhecessem seus trabalhos e buscassem interlocuções”, comentou.
Segundo o pesquisador, a organização dos livros foi pensada para abranger diferentes perspectivas sobre as cidades amazônicas: o volume I trata do Urbano e a Cidade na Paisagem Amazônica; no volume II, é abordado o tema Cidades, Políticas Públicas, Vulnerabilidade e Risco; e, por fim, o volume III explora a temática de Cidades, Identidades e Agendas Públicas. “Há um debate interdisciplinar e intergeracional muito rico. Temos pesquisas de profissionais com carreiras consolidadas dialogando com jovens doutores, mestres e pós-doutorandos. Isso é essencial para o futuro da pesquisa na região, porque não é possível pensar na pesquisa se a gente não oportuniza também para os mais novos a publicação”, afirmou José Carlos.


Referências sobre urbanização na Amazônia – Para além da coletânea, as falas dos coordenadores destacaram a importância de desconstruir leituras externas e estereotipadas sobre o urbano amazônico. A professora Ana Cláudia observa que grande parte da produção acadêmica sobre cidades na Amazônia ainda é recente, muitas datam de pós-graduações criadas a partir de 2010, e ainda existem estados sem cursos de arquitetura e urbanismo. “Temos que criar uma referência justa para nossa realidade. A pesquisa histórica e arqueológica mostra que modos de vida tradicionais, como as palafitas, são soluções adequadas e culturalmente enraizadas. Precisamos valorizar essas nuances e essa sociodiversidade”, enfatizou a coorganizadora da obra.
“Quando falamos de urbanização na Amazônia, precisamos olhar para a conexão entre cidade, campo, rio, floresta, assentamentos, vilas, povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos. É impossível compreender a região sem considerar suas especificidades e a importância dos rios para a vida das pessoas”, reforçou José Carlos, dialogando com a colega docente sobre como a interpretação da urbanização brasileira costuma privilegiar o olhar metropolitano.
Os organizadores relembraram a importância da coletânea, que reflete essa pluralidade de olhares, trazendo contribuições que pensam a cidade amazônica com base nas suas próprias lógicas, escalas e memórias territoriais. “Pensar em cidades na Amazônia é olhar a cidade de múltiplas formas, e esta coleção de livros traz um olhar de muita gente que pensa as diferentes formas de ver a cidade, o urbano e as relações. Acredito que essa seja a grande riqueza do trabalho”, finalizou o pesquisador.
A obra também deve contar com lançamentos oficiais nas Zonas Azul e Verde da COP 30, ampliando sua difusão para públicos nacionais e internacionais e contribuindo para inserir o debate urbano amazônico na agenda global. Ao reunir centenas de vozes e consolidar uma rede viva e insurgente de pesquisadores, o projeto se coloca como um marco para os estudos sobre urbanização na Amazônia, reafirmando a importância de pensar a região pelos seus próprios referenciais.
