A petroquímica verde apresenta-se como alternativa à petroquímica convencional. E aquela desenvolvida no Instituto de Tecnologia da UFPA, por meio da Engenharia de Processos para Transformação da Biodiversidade da região, tem potencial para ser um grande destaque entre os avanços científicos apresentados na COP 30. Em vez do petróleo fóssil, ela utiliza resíduos vegetais amazônicos na produção de biocombustíveis e derivados (gasolina, querosene, óleo diesel, carvão, asfalto e filtros). As matérias-primas empregadas na produção desses combustíveis verdes são resíduos de cadeias agroindustriais, como caroços de açaí, tucumã, palma e cacau.
As pesquisas são desenvolvidas pelo Laboratório de Engenharia de Processos de Conversão de Biomassa e Resíduos: Sustentabilidade, Biorrefinaria, Bioenergia e Bioprodutos, coordenado pelo engenheiro químico Nélio Teixeira Machado, mestre em Engenharia Mecânica, doutor em Engenharia de Processos, pós-doutor em Bioenergia e professor titular de Engenharia Sanitária e Ambiental do Instituto de Tecnologia da UFPA. Ele coordena a equipe composta pelos professores Lucas Pinto Bernard, Bruno Viegas (Faculdade de Biotecnologia – ICB/UFPA) e Emmanuel Negrão (Faculdade de Engenharia Química – ITC-UFPA). A equipe conta, ainda, com 10 bolsistas de Iniciação Científica, dois bolsistas de pós-doutorado, seis doutorandos e seis mestrandos.
O professor Nélio Machado explica que, em princípio, qualquer biomassa vegetal que possua carbono e hidrogênio pode ser transformada termoquímicamente e gerar bioenergia. “Na verdade, o que temos aqui é uma petroquímica verde. Então, tudo que pode ser produzido por meio do petróleo, que é um combustível fóssil, pode ser produzido também por meio de processos de transformação termoquímica de biomassa porque geram gases, combustíveis e hidrocarbonetos”, explica o pesquisador: “Toda biomassa, residual ou não, dotada de lignina – principal componente da parede celular das plantas – pode ser transformada e gerar bioenergia”.
Todas as biomassas passam pelo mesmo processo. Os caroços do açaí, por exemplo, recebem pré-tratamento, são secos, moídos e ativados, quimicamente, com hidróxido de sódio, um resíduo proveniente do processamento da bauxita pela empresa Hydro. Por meio da ativação, o resíduo é submetido à alta temperatura via pirólise, quando se transforma em biogás (rico em metano e propano, dotado de um alto grau calorífico, podendo ser empregado na geração de energia), bio-óleo, rico em hidrocarbonetos, que é transformado, via destilação, em biogasolina, bioquerosene, biodiesel, ligante asfáltico e biocarvão poroso, este com capacidade para ser utilizado na fabricação de biofiltros para uso na desinfecção de água de poços em comunidades isoladas, por exemplo.
Cannabis apreendida também gera combustível
Mais recentemente, o Laboratório de Engenharia de Processos de Conversão de Biomassa e Resíduos, da UFPA, acrescentou uma nova biomassa à sua relação de vegetais transformados em biocombustíveis. Desta vez, em parceria acadêmica com a Superintendência de Polícia Federal no Pará e a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Trata-se da Cannabis sativa, também conhecida por maconha. O estudo faz parte das pesquisas do doutorando Antônio Canelas, perito da PF do Pará e aluno da pós-graduação da UFSC, e tem coorientação do professor Nélio Machado, em função da expertise da UFPA, que possui praticamente 20 anos de atuação na linha de processamento e transformação de biomassas. O estudo comprovou a propriedade da cannabis na produção de combustíveis verdes, tal como o açaí, o cacau, a palma e o tucumã.
Toda vez que ocorre uma apreensão de maconha, por força da legislação, todo o material apreendido tem que ser incinerado. Mas, entre a apreensão e a incineração, há ainda uma logística que envolve diversos custos com transporte, armazenamento, vigilância, além dos custos com diárias e passagens, porque é praxe, na PF, o deslocamento de agentes de outros estados para presenciar a incineração, também custosa em função do aluguel de fornos. “O objetivo do projeto é transformar em bioprodutos de valor agregado o material apreendido pela polícia, porque, por intermédio dessa tecnologia, há a diminuição de todos os custos do processo de incineração”, explica o orientador da pesquisa, Nélio Machado, que possui quase 20 anos de atuação na linha de processamento e transformação de biomassas. “Também há redução nos danos ambientais, com a eliminação da emissão de poluentes gerada pela combustão da droga”, conclui. Para contornar a questão de custos, a cannabis apreendida está sendo processada em laboratório montado na própria Polícia Federal.
A biomassa da cannabis é submetida a um processo termoquímico de adição de energia térmica na ausência de oxigênio, por meio da pirólise, quando é submetida a uma temperatura que varia entre 450 a 500°. O processo fragmenta as moléculas em moléculas menores, com características de hidrocarbonetos, além de outros compostos oxigenados, entre os quais, fenólicos, ácidos carboxílicos, cetonas e aldeídos. Esse processo gera um bio-óleo com capacidade de produzir gasolina verde, querosene verde, diesel verde, um material poroso para uso na remediação de solos, biofiltros para desinfecção de água de poço e um biogás que pode ser empregado na geração de energia. Todos esses bioprodutos obtidos por meio do processamento termodinâmico da cannabis são os mesmos obtidos na transformação dos caroços da cadeia do açaí, dos resíduos da cadeia do dendê, dos resíduos da cadeia do tucumã e dos resíduos da cadeia do cacau. Os experimentos com a cannabis já estão sendo realizados há um ano e meio.
Segundo o professor Nélio Machado, as possibilidades do laboratório da UFPA são imensas. “Agora mesmo, estamos entrando em nova linha de produção de hidrogênio verde e querosene de aviação sustentável”, informa. Ele conta que a cannabis, por exemplo, pode servir à geração da gasolina de aviação porque possui um alto teor de lignina. “Aqui, no laboratório, podemos isolar a lignina e transformá-la em querosene de aviação, hidrogênio verde ou, ainda, em grafeno”.



