Meninas e Mulheres na Ciência: Bettina, a primeira professora emérita da UFPA

Em comemoração ao Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, celebrado em 11 de fevereiro, a UFPA inicia hoje a publicação de uma série de matérias sobre vida, carreira e atuações de destaque de suas professoras eméritas. Primeira mulher a receber o título de professora emérita da Universidade Federal do Pará, a médica Bettina Ferro de Souza foi agraciada pelo Conselho Superior de Ensino e Pesquisa, em cerimônia realizada em 1º de março de 1984. Proposto pelo então reitor Daniel Coelho Queima de Souza, o título homenageou a profissional que dedicou 54 anos de sua vida à docência e à pesquisa médica, desde sua entrada como estudante na antiga Faculdade de Medicina e Cirurgia do Pará, em 1929, aos 16 anos, até a aposentadoria compulsória, em 1983, ao completar 70 anos de idade. 

Bettina está entre as dez primeiras mulheres médicas formadas em Medicina no Pará, segundo informa Cristina Alencar, no livro A Trajetória de Bettina Ferro e sua contribuição para a ciência e a sociedade. Com base em referências a autores dedicados ao estudo da mulher na sociedade nos anos iniciais do século XX, a biógrafa ressalta que a decisão de Bettina em seguir carreira universitária se opunha ao então papel submisso conferido à mulher, restrito a missas dominicais, reuniões de caridade, submissão ao marido, noções de culinária e economia doméstica e prática de bordado e crochê, entre outras atividades que eram tidas por apropriadas à mulher. Ao escolher a carreira médica, Bettina desafiou, ainda, o preconceito da época que considerava a Medicina uma profissão iminentemente masculina, juntamente com o Direito e a Engenharia Civil. 

A aprovação para cursar Medicina, na faculdade ainda não federalizada, aconteceu quando Bettina Ferro de Souza estava na adolescência, aos 16 anos. O médico e escritor Clóvis Meira, contemporâneo de Bettina na faculdade, sintetizou, no livro Medicina de outrora no Pará, a memória de muitos de seus coevos sobre a jovem estudante: “Sempre foi muita estudiosa, aplicadíssima, aluna exemplar. Trazia essa aura do Ginásio Paes de Carvalho. Quando o professor perguntava alguma coisa e ninguém sabia, podia perguntar à Bettina. Vinha sempre a resposta”. Concluída a graduação, ela optou pela Especialização em Clínica Médica e Cardiologia e teve seus méritos reconhecidos nacionalmente: “Bettina Ferro de Souza era reconhecida pelos colegas, não somente do Pará, mas também do Rio de Janeiro e de São Paulo”, ressaltou o escritor.

Fotografia de Bettina Ferro de Souza em preto e branco. Ela é uma senhora, usa cabelos curtos, e óculos de armação retangular.

Já com o diploma em mãos, Bettina Ferro desenvolveu uma série de atividades profissionais, de 1936 a 1949, como médica do Dispensário São Vicente de Paula, do Departamento Estadual de Saúde, da Junta Permanente de Inspeção de Saúde dos Funcionários Públicos Civis do Estado do Pará e do Posto de Saúde da Sacramenta, entre outras. E, em 1947, foi aprovada no concurso para Clínica Médica do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários. 

Docência de destaque – A experiência de Bettina Ferro como professora começou muito antes da entrada na docência de ensino superior. De 1937 a 1948, ela foi professora de Ciências Física e História Natural, Higiene e Biologia no Colégio Gentil Bittencourt, no qual também foi membro de bancas examinadoras das disciplinas Português, Ciências Física e História Natural. Já em 1950, Bettina deu início, sem remuneração, à carreira docente no ensino superior, como professora assistente da disciplina Clínica Propedêutica Médica, na faculdade em que se formou. Ela foi a primeira mulher a exercer a docência em Propedêutica, uma parte da Medicina que estuda os sinais e sintomas de doenças por meio do exame dos pacientes. Em 1952, defendeu a tese Beribéri e Cardiopatia, estudo que relaciona o beribéri, doença causada pela carência de vitamina B1, a alterações cardíacas, hoje chamadas cardiopatias beribéricas. No ano seguinte, a tese cumpriu uma das exigências para a aprovação no concurso a docente livre da cadeira de Clínica Propedêutica Médica e, em 1974, Bettina tornou-se professora titular dessa disciplina.

Os atuais historiadores da Medicina no Pará destacam a atuação de Bettina Ferro de Souza na organização, em julho de 1970, do XXVI Congresso Brasileiro de Cardiologia. O evento foi realizado em Belém “graças ao seu prestígio”, como afirmam Abreu Junior e Aristóteles de Miranda no livro Memória Histórica da Faculdade de Medicina e Cirurgia do Pará. O evento trouxe a Belém os grandes nomes da Cardiologia, entre os quais, Euclydes Zerbini, que havia realizado, dois anos antes, o primeiro transplante de coração no Brasil; Adib Jatene, criador de uma cirurgia do coração para tratamento da transposição das grandes artérias em recém-nascidos; e Dante Pazzanese, fundador da Sociedade Brasileira de Cardiologia. O congresso registrou a inscrição de 850 congressistas e 138 temas debatidos.

Com uma atuação forte também fora da sua especialidade, os historiadores reconhecem o esforço da médica para conseguir a reabertura do Grande Hotel, desativado meses antes do evento, exclusivamente para hospedar 150 congressistas. Paulo Toscano, em Sociedade Brasileira de Cardiologia: cinquenta anos de congressos (1944-1994), ressalta o empenho de Bettina em todas as etapas, inclusive ao conseguir o asfaltamento da rua onde se localizava a Escola de Agronomia, local do evento. Foi neste congresso que Bettina Ferro de Souza tomou posse como primeira mulher a presidir a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), quebrando outro tabu, “pois sabemos que esse espaço era considerado reduto dos homens”, afirma Cristina Alencar. 

Fotografia da fachada do Hospital Universitário Bettina Ferro de Souza. O prédio é pintado em dois tons de verde e há dois carros estacionados na sua frente.

Tendo contribuído com a formação acadêmica de gerações e se tornado uma referência na área médica na Amazônia, a doutora Bettina Ferro e Souza recebeu reconhecimento e muitas homenagens. Além do título de Professora Emérita, a UFPA a homenageou, em 1993, dando o nome dela ao Hospital Universitário, hoje uma referência em otorrinolaringologia, oftalmologia, desenvolvimento e crescimento infantil na Amazônia. 

Meninas e Mulheres na Ciência – O Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, comemorado em 11 de fevereiro, é uma data criada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e pela Organização das Nações Unidas (ONU) como forma de reconhecer o papel fundamental exercido pelas mulheres e pelas meninas para o desenvolvimento da ciência no mundo. 

A data se configura como um marco para a promoção do acesso à ciência de maneira igualitária, buscando, dessa forma, incentivar que mais mulheres e meninas avancem em suas carreiras científicas contrariando qualquer estereótipo de gênero. Além de ser uma prioridade global da agenda da Unesco, essa ampliação da participação das mulheres na ciência é também um fator imprescindível para que novas perspectivas sejam analisadas e a criatividade se desenvolva ainda mais nas diferentes áreas de estudo.

Leia mais:

TEXTO: Walter Pinto - Assessoria de Comunicação Institucional da UFPA

FOTOS: Arquivo Ascom/UFPA e arquivo pessoal

Relação com os ODS da ONU:

ODS 3 - Saúde e Bem-EstarODS 4 - Educação de QualidadeODS 5 - Igualdade de Gênero

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