Silenciosa e perigosa, a Doença de Chagas é uma infecção crônica causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi, transmitido principalmente por insetos conhecidos como barbeiros. Embora muitas pessoas permaneçam sem sintomas por anos, cerca de 30% dos infectados desenvolvem complicações graves, como insuficiência cardíaca e arritmias. No Brasil, a doença segue como um grave problema de saúde pública, afetando milhares de pessoas, principalmente em regiões com moradias precárias.
Além do impacto na saúde individual, os prejuízos sociais e econômicos são significativos: a doença reduz a qualidade de vida, afasta trabalhadores de suas atividades, gera custos ao sistema de saúde e compromete o desenvolvimento de comunidades vulneráveis. Com os avanços no controle do vetor, novos desafios como as mudanças climáticas representam uma ameaça concreta, podendo reverter conquistas e ampliar a área de risco no país.
Segundo um estudo publicado na revista científica Medical and Veterinary Entomology, as mudanças climáticas podem provocar o deslocamento de insetos transmissores da Doença de Chagas, como os barbeiros, para novas áreas da Amazônia hoje consideradas de baixo risco. O estudo analisou mais de 11 mil registros únicos de ocorrência de 55 espécies de barbeiros.
Para prever como esses vetores podem se deslocar futuramente, os cientistas utilizaram modelagem de nicho ecológico, técnica que cruza dados de ocorrência com variáveis ambientais como clima, vegetação e relevo. A partir disso, o modelo estima onde os insetos vivem atualmente e onde poderão se estabelecer até 2080, com base em diferentes cenários de aquecimento global.
As projeções revelam uma tendência de expansão dos barbeiros para áreas da Amazônia, especialmente em cenários climáticos mais extremos, aumentando o risco para regiões já vulneráveis e com infraestrutura de saúde limitada. “Essas projeções são um alerta claro. O avanço dos vetores para novas regiões pode surpreender os sistemas de saúde despreparados, afetando populações já marcadas por desigualdades e condições precárias de moradia”, afirma Leandro Schlemmer Brasil, autor principal do estudo.
Para o professor Leandro Juen (UFPA), coautor do artigo, os dados reforçam a urgência de estratégias integradas: “É fundamental unir vigilância em saúde, políticas ambientais e ações adaptativas às mudanças climáticas. Este estudo mostra como a ciência pode antecipar riscos e orientar políticas públicas eficazes”.
A pesquisa também sugere caminhos para a prevenção, como o fortalecimento da vigilância entomológica, campanhas educativas e melhorias nas condições de moradia em áreas de risco. Como contribuição principal, o estudo oferece um modelo que pode ser adaptado para outras doenças transmitidas por vetores, como malária, dengue e leishmaniose. A pesquisa reforça a importância de integrar dados ambientais, históricos e de biodiversidade para compreender e antecipar riscos à saúde pública em um cenário de mudanças climáticas.
O trabalho integra duas grandes redes de pesquisa: o INCT-SinBiAm (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia – Síntese em Biodiversidade Amazônica) e o PPBio Amazônia Oriental, que reúnem especialistas de diferentes áreas e instituições para ampliar a produção científica sobre biodiversidade e saúde pública na região. Essas redes têm papel essencial na geração de dados robustos, com abrangência territorial e integração entre diferentes instituições e áreas do conhecimento. Além da Universidade Federal do Pará e da Universidade Federal do Mato Grosso, participam do estudo pesquisadores de instituições como o Instituto Evandro Chagas, Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA) e Universidade de Bristol.