É frequente na Biologia associarmos a imagem de uma árvore frondosa com a evolução, resultando num conceito que chamamos de ‘árvore da vida’, no qual as espécies são vistas como equivalente às folhas no final dos galhos. No novo modelo de evolução, entretanto, a ideia é que os galhos estão entrelaçados e os genes sendo transferidos de uma espécie à outra por hibridização ocasional.
O fenômeno raramente resulta na formação de novas espécies completas e distintas das duas espécies originárias que formaram os primeiros híbridos. Quando ocorre, é conhecido como especiação híbrida. Neste caso, dois galhos crescendo juntos resultam em três galhos finais.
Na prática, a comprovação deste fenômeno entre as espécies animais é extremamente difícil. Cientificamente, é necessário demonstrar que a hibridização entre as duas espécies originais realmente causou a formação de uma nova (terceira) espécie geneticamente distinta.
E foi essa a tarefa que pesquisadores das universidades de York (no Reino Unido) e Harvard (nos Estados Unidos) acabaram de concluir. Com a colaboração de dois pesquisadores da Universidade Federal do Pará (UFPA), além de colaboradores de mais oito países, a equipe conseguiu demonstrar o primeiro caso com evidências concretas de especiação híbrida em animais: As borboletas coloridas Amazônicas do gênero Heliconius. O trabalho foi publicado nesta quarta-feira, no site da revista Nature.
O estudo durou uma década, tempo necessário para que os pesquisadores acumulassem evidência genética e ecológica demonstrando que há aproximadamente 200 mil anos, ancestrais das espécies modernas Heliconius melpomene e Heliconius pardalinus contribuíram partes dos seus genomas para produzir uma terceira, e nova, espécie, a Heliconius elevatus. Atualmente, as três espécies coexistem na floresta Amazônica.
“A especiação híbrida pode não ser tão incomum, mas exemplos convincentes de espécies híbridas de animais são difíceis de encontrar. Nos poucos exemplos que existem, ou a espécie híbrida proposta pode ter somente existido para poucas gerações e pode ser considerada uma entidade efêmera; ou as espécies híbridas não vivem ao lado das espécies parentais, fazendo com que seja difícil confirmar se é de fato uma nova espécie”, destaca o autor sênior do artigo publicado, professor Kanchon Dasmahapatra, do Departamento de Biologia da Universidade de York.
O primeiro autor do artigo, Neil Rosser, atualmente na Universidade de Harvard, passou vários anos na Amazônia produzindo híbridos artificiais entre espécies para descobrir a base genética de características das espécies que são importantes para manter as espécies como entidades distintas como padrão de cor, formato das asas, preferências para as plantas onde suas lagartas crescem, os feromônios (químicos) usados para atrair parceiros, comportamento de escolha de parceiros e modo de voo.
“Notavelmente, encontramos que na nova espécie, Heliconius elevates, as partes do genoma controlando essas características tendem a coincidir com as regiões do genoma derivado da espécie parental Heliconius melpomene. Essa descoberta é importante porque é chave para mostrar que Heliconius elevatus é uma espécie
híbrida, pois sugere fortemente que a hibridização levou a essa nova espécie desenvolver alguns traços específicos distintos da espécie parental que atualmente previne o cruzamento entre as duas”, detalha Rosser.
Colaboração – Pela UFPA, os pesquisadores diretamente envolvidos no estudo são Jonathan Ready, docente do Centro de Estudos Avançados da Biodiversidade, vinculado ao Instituto de Ciências Biológicas, e Clarisse Mendes Eleres de Figueiredo, sua egressa de mestrado pelo Programa de Pós-graduação em Biologia Ambiental, campus Bragança.
“Somos colaboradores de longo prazo na rede de pesquisadores sobre evolução dessa família de borboletas. Eles são considerados um dos principais grupos de organismos para estudos que buscam entender os processos de evolução. A participação do Brasil no estudo é importantíssima, considerando a distribuição dessa borboletas no Brasil”, avalia Jonathan Ready.
No estudo, a UFPA contribui nas etapas de coleta de amostras, trabalhos iniciais de produção de dados genéticos, bem como nas fases finais da redação do manuscrito e nas revisões após avaliação por pares junto com a revista.
Além da UFPA, a pesquisa contou com a colaboração da UNICAMP no Brasil, e de pesquisadores da Alemanha, Canadá, Colômbia, França, Panamá, Peru, Reino Unido e Suécia.