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TAMANHO DA FONTE

Pesquisadora defende uma ciência de escuta às populações tradicionais

Descrevendo o cenário do que avalia como um momento incomum da história, marcado por grandes rupturas e mudanças, a professora emérita da Universidade Federal do Pará (UFPA) Edna Maria Ramos de Castro defendeu a produção de uma ciência de escuta que vá na direção dos que, historicamente, não tiveram seus conhecimentos considerados. A discussão foi levantada durante a Conferência “Amazônia, decolonialidade e pensamento crítico sobre o desenvolvimento”, que integrou a programação científica da 76ª Reunião Anual da SBPC. 

Para retomar as discussões de trabalhos já publicados por ela, a pesquisadora refletiu sobre a razão colonial e as perspectivas teóricas presentes nos debates atuais para se fazer a crítica à colonialidade, pontuando que algumas linhas de interpretação, evidentemente, não estão acabadas, mas fazem parte do debate proposto durante a conferência. “O desafio das teorias pós-coloniais é desconstruir aquelas interpretações que os mecanismos de dominação se utilizam, como a construção de imagens, ideias e crenças sobre o outro”.

Uma maneira de quebrar essa lógica é dar ouvidos aos conhecimentos gerados pelos que, historicamente, foram desconsiderados. “Como poderiam os povos originários, os povos indígenas das Américas, terem sobrevivido sem ciência sobre a natureza e sobre a vida social? Eles não teriam sobrevivido se não tivessem a ciência. Óbvio que eles tinham uma ciência que não era ocidental, mas não foram povos desprovidos de saberes com a eficácia suficiente de os fazerem sobreviver em situações inóspitas, difíceis”, destacou Edna Castro. “O mundo é diverso também nos seus saberes e conhecimentos, e isso nos traz uma reflexão de tentar retornar no tempo e nos transportar para trás dos 2024 anos que nós temos da nossa Era Cristã”. 

A professora lembrou que a arqueóloga Anna Roosevelt, em estudos realizados entre 1990 e 1992 na região do oeste do Pará, analisou as pinturas rupestres encontradas na Caverna da Pedra Pintada, em Monte Alegre, e, com base nela, pelos traços de pinturas e também por datação, analisou também o nível de organização social de povos que viveram na planície amazônica de inundação e que evidenciam o conhecimento ali existente. 

“Eles deixaram, pelas imagens gravadas nas rochas daquela região, datadas de mais de 11.200 anos, parte de seus saberes, de seu universo social e do imaginário, retratando plantas, animais, deixando, inclusive, suas impressões físicas pela pintura das suas mãos, de adultos e crianças, como assinaturas de sua existência”, analisou Edna Castro. “Esses achados trouxeram a necessidade de revisão de estudos anteriores sobre a ocupação do homem na Terra.  Sua análise serve para sustentar a tese da presença de sociedades complexas na Amazônia, com anterioridade da ocupação humana”. 

Nesse sentido, citando não apenas esta, mas também outras referências, a professora Edna Castro destacou a necessidade de quebrar paradigmas com os quais se interpretam as sociedades, rumo a uma “ciência da escuta”. “A literatura europeia é importante, a crítica à modernidade é fundamental e essencial, porém ela é insuficiente para a construção dos nossos olhares. Os autores latino-americanos têm se desafiado nesse entendimento. São formulações mais radicais do ponto da crítica teórica que tem partido de intelectuais que pensam o desenvolvimento na contramão do pensamento dominante”, considerou. “O que significa que é muito importante nós fazermos uma ciência da escuta, uma ciência que realmente vá na direção daqueles que não foram escutados, porque estão do outro lado da cena do conhecimento. Eles foram excluídos, então, para entender essa realidade, é fundamental a escuta, porque muitos estudos foram à margem dessas falas”. 

Livro – Após a conferência concedida no Auditório Setorial Básico 2 da UFPA, a professora Edna Castro participou do lançamento do livro Povos Indígenas do Alto Rio Negro e dominação colonial, um trabalho conjunto dela e dos pesquisadores Joaquina Barata Teixeira, Valdecir Palhares e Antônio Maria de Souza Santos. O lançamento do livro inédito ocorreu no estande da SBPC, na Expotec. 

“Nós éramos recém-formados e viajamos para uma expedição no Alto Rio Negro, por um mês, para fazer um estudo sobre a prelazia e os povos indígenas, e nós acabamos fazendo um grande relatório, bastante crítico, e depois consideraram como um estudo confidencial, proibido, e, inclusive, nos ameaçaram para a gente não publicar o trabalho”, lembra a professora Edna. “Então, nós não publicamos, mas, há cinco anos, a Comissão da Verdade pediu para nós publicarmos o livro, e nós resolvemos retomar o relatório e fazer esse trabalho”.

TEXTO: Comissão Local de Comunicação da 76ª da Reunião Anual da SBPC

FOTOS: Oswaldo Forte

Relação com os ODS da ONU:

ODS 4 - Educação de QualidadeODS 10 - Redução das DesigualdadesODS 11 - Cidades e Comunidades Sustentáveis

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