A necessidade de construir agendas de pesquisa ligadas à realidade local que permitam resolver demandas da sociedade, alinhadas à garantia de sustentabilidade com inclusão foi destacada pelo reitor da Universidade Federal do Pará (UFPA), Emmanuel Zagury Tourinho, durante a programação da 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (CNCTI), realizada de 30 de julho a 1º de agosto, em Brasília.
Durante a plenária “Oportunidades e desafios para o desenvolvimento nacional sustentável e inclusivo”, apresentada na última quarta-feira, 31, os debatedores puderam discutir a importância da ciência como balizadora de políticas e projetos para o tipo de desenvolvimento que se espera para o Brasil, sustentável e inclusivo.
Com base na perspectiva da realidade vivenciada na Amazônia, o reitor Emmanuel Zagury Tourinho chamou à reflexão o uso dos conceitos de sustentabilidade e inclusão atualmente, falou das consequências negativas de projetos pensados para a Amazônia, de fora para dentro, e defendeu o uso da ciência produzida na região e dos saberes locais para o enfrentamento dos desafios de suas populações.
Para o reitor, muitas vezes, quando se fala de sustentabilidade, não está implícito o bem-estar das populações que são atingidas pelos projetos ou pelas políticas de desenvolvimento pensadas para a região amazônica. “Interessa que o desenvolvimento na Amazônia proporcione o aproveitamento sustentável dos recursos naturais, garantindo seu acesso às gerações futuras; a conservação da integridade do bioma, com o desenvolvimento social; a garantia de direitos e a segurança das populações locais. Mas, raramente, essa é a realidade”, avaliou o reitor. “A bem da verdade, não há exemplos dessa natureza entre os grandes projetos concebidos para a Amazônia. Como regra, são projetos pensados de fora para dentro”.
Citando como exemplos projetos de geração de energia que, apesar de apontados como sustentáveis, na prática, geram degradação do meio ambiente e das condições de vida das comunidades locais, o reitor da UFPA reforçou a necessidade de se refletir sobre como o termo sustentabilidade demanda uma abordagem multidimensional e interdisciplinar. “Todos concordam com a necessidade de termos uma matriz energética limpa, renovável, com baixa emissão de dióxido de carbono. É excelente que isso ocorra, mas a produção de energia limpa ou renovável não torna, por si só, qualquer projeto energético um modelo de sustentabilidade, menos ainda de inclusão”.
Diante de uma realidade complexa que demanda, cada vez mais, o conhecimento integrado das ciências, Emmanuel Zagury Tourinho sugeriu que estamos perto de um ponto de não retorno, não apenas da degradação da floresta, mas também do comprometimento das condições de vida das populações que, até hoje, garantiram a floresta em pé. “Ninguém pode dizer que a floresta permanecerá de pé com a desorganização das comunidades tradicionais, com seus deslocamentos forçados, seu assassinato deliberado, seu adoecimento em massa ou sua submissão a outros sistemas de organização social e econômica. Proteger esses sistemas sociais é tão urgente quanto proteger as árvores”, reforçou. “Como a atenção do mundo não se volta com a mesma intensidade para essa dimensão do risco amazônico, está muito mais sob a nossa responsabilidade de cientistas brasileiros e populações amazônicas garantir que isso seja adequadamente considerado”.
O papel da ciência também foi destacado pela secretária nacional de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Ana Toni, que participou do painel representando a ministra Marina Silva. “Para a área ambiental, a ciência sempre foi a nossa maior aliada. A gente precisa da ciência para os melhores diagnósticos, para lastrear as políticas públicas da melhor maneira. A gente precisa da ciência para nos mostrar os riscos e a ciência. Obviamente, é quem nos traz soluções”, considerou. “É nesta vertente ‘diagnóstico, risco e soluções’ que esse casamento entre ciência e políticas socioambientais e climáticas é tão importante”.
Tendo em vista a responsabilidade conferida à ciência diante do desafio de se buscar um desenvolvimento efetivamente sustentável, o professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Pedro Rossi ainda destacou o papel das Ciências Sociais neste processo e defendeu a necessidade de se pensar em uma nova economia. “Me parece que nós não conseguiremos vencer os desafios do mundo contemporâneo sem mudar a forma de organização social, sem pensar em uma nova economia. Não se resolve a crise climática apenas com incentivos ao setor privado. Se a gente quiser, de fato, resolver o problema, precisamos do Estado alocando recursos de maneira intensiva para mudar a organização da sociedade”.
Além do professor Emmanuel Zagury Tourinho, da secretária Ana Toni e do professor Pedro Rossi, também foi conferencista do painel o secretário de Políticas e Programas Estratégicos do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Osvaldo Moraes. A mesa foi mediada pela professora Helena Nader, presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC).
5ª CNCTI – A 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (CNCTI), realizada de 30 de julho a 1º de agosto, em Brasília, reúne diferentes atores da sociedade para debater as políticas públicas que serão consideradas estratégicas para o Brasil até 2030, com foco no papel da ciência, tecnologia e inovação para o país. A reunião nacional, organizada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), foi antecedida por mais de 200 conferências preparatórias, realizadas de dezembro de 2023 a maio de 2024, em todo o país.