Pesquisadores da região amazônica apresentaram estudos, discutiram impactos ambientais e debateram possíveis soluções para os problemas que agravam a crise climática neste momento de preparação para a 30a Conferência Mundial do Clima, prevista para ocorrer entre 10 e 21 de novembro, na capital paraense. O encontro ocorreu durante o painel “Entendendo a COP do Clima”, realizado no lançamento do Movimento “Ciência e Vozes da Amazônia na COP 30”, no dia 5 de fevereiro.

“Nosso objetivo, entendendo a COP, é difundir, socializar algumas das reflexões que vêm sendo feitas pelos pesquisadores e pesquisadoras amazônidas sobre esse momento histórico, quais as questões que estão em jogo na COP 30, em Belém, e também quais as perspectivas que nós podemos ter para que tenhamos uma conferência exitosa, para a melhoria das condições climáticas do nosso planeta”, introduziu o docente do Instituto de Ciências Jurídicas Antonio Maués, moderador do painel.
Pela Secretaria Extraordinária da COP 30 da Presidência da República, Hugo Xavier, diretor de Projetos, abriu o painel ressaltando o desafio da preparação da capital paraense para receber um evento de tal magnitude. Ele destacou o empenho dos governos federal, estadual e municipal, com investimentos em infraestrutura urbana, com mais de 40 obras em andamento, e finalização do projeto de criação das estruturas temporárias. “Nós estamos construindo, somente para a Zonal Azul, 140 mil metros quadrados, com tendas especiais e climatizadas, para comportar um evento internacional dessa envergadura”. Ele também reforçou que já foi iniciado um diálogo com as universidades amazônicas para desenhar a participação da comunidade científica na conferência, aliada aos movimentos sociais. “Nós precisamos ver qual vai ser o papel da Universidade Federal do Pará na recepção de eventos que acontecem paralelamente à COP. Tudo isso a gente tem trabalhado com bastante ênfase”, concluiu.


As exposições foram abertas pela professora Lise Tupiassu, do Instituto de Ciências Jurídicas da UFPA, doutora em Direito pela Universidade de Toulouse, na França, e pós-doutora em Financiamento Climático pela Universidade de Columbia. Lise traçou um panorama sobre o funcionamento e os significados da COP, desde a estrutura organizada e a participação da sociedade e governos até a importância dos principais eventos já realizados no país, como a Rio 92 e a Rio+20, além dos riscos de não se obter avanços significativos com essas plenárias internacionais. “Há muito tempo, estamos discutindo questões climáticas e ambientais, mas pouco se vê em ações efetivas implementadas e não queremos chegar ao ponto de, em 2100, estarmos fazendo a conferência sobre meio ambiente nenhum”, alertou.
Tupiassú enfatizou o peso da responsabilidade social que esta COP trará para o mundo. Ela avalia ser necessário falar sobre justiça climática com base em uma perspectiva amazônica, segundo o que já vem sendo postulado pelas Nações Unidas desde os anos 1970. “É preciso levar em conta o direito à igualdade para que possamos ter condições de vida diante dessas questões climáticas e ambientais que se colocam”. Além disso, Lise aponta fatores como os conflitos de terra, deslocamentos populacionais em decorrência de grandes empreendimentos, além da exploração madeireira, atividades de garimpo e agronegócio predatório. Para ela, as políticas de proteção ambiental precisam receber um cuidado maior. “O cenário de financiamento climático mostra que, ainda em 2022, a gente já tinha um fluxo de 1,27 trilhões de dólares para o financiamento climático, porém, para as questões relacionadas ao uso da terra, o valor é muito pequeno, embora essas questões sejam as responsáveis pela manutenção da resiliência do nosso sistema socioecológico amazônico”, ressaltou.
“Além disso, quando a gente percebe que o montante de recursos destinados ao financiamento climático é muito inferior ao investimento destinado a subsídios para as indústrias de combustíveis fósseis, ou mesmo à indústria da guerra, notamos que ainda há um longo caminho a ser percorrido”, pontua a docente. Por outro lado, Tupiassu conclui que os acordos firmados e os recursos que virão com os compromissos feitos na conferência devem ter uma destinação real. “Precisamos fazer esses recursos chegarem na ponta, até as comunidades, considerando o protagonismo local. Parte disso deve alcançar, inclusive, a ciência nacional e amazônica”, salientou.


Já o professor Domingos de Jesus Rodrigues, da Universidade Federal do Mato Grosso, doutor em Ecologia, pelo INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), destacou as fitofisionomias da Amazônia, ou seja, a diversidade do bioma, que inclui, por exemplo, os diferentes tipos de floresta (igapó, terra firme, matas de cipó, várzea, campinarana etc). “Dependendo do autor ou pesquisador, você encontra mais de 38 fitofisionomias da região amazônica, e cada uma representa um contexto evolutivo das interações entre essas espécies, que, muitas vezes, estão sendo perdidas, principalmente no sul da Amazônia, onde você tem o famoso Arco do Desmatamento”.
Domingos também comentou as ameaças climáticas em relevo como os problemas que recaem sobre os territórios, o desmatamento, entre outros crimes, mas, sobretudo, uma nova questão que antes se dava de forma mais espaçada, que são as secas e as queimadas. Ele relembrou o fogo propagado na Amazônia e os que ocorreram em Los Angeles, nos Estados Unidos, no início deste ano. Segundo ele, a repercussão sobre as queimadas fora do país foram bem maiores, embora se saiba que os danos na Amazônia refletem em várias frentes. “Sabemos o quanto de carbono foi liberado para atmosfera, quantas comunidades tradicionais foram afetadas, quantas crianças passaram por problemas de saúde, impactando também o nosso sistema de saúde”, frisou.
Segundo ele, na região, a coalizão “Respira Amazônia” publicou recentemente uma cartilha sobre as perspectivas e os desafios sobre o monitoramento da qualidade do ar na Amazônia Legal. “A UFPA, por exemplo, instalou sensores de baixo custo em vários municípios do estado, com a coordenação da pesquisadora Sílvia Fernanda Mardegan. Esses sensores estão instalados nas cidades, mas também precisamos saber os impactos das queimadas nas localidades afetadas, saber como está a qualidade do ar nas comunidades tradicionais, no meio da floresta, pra gente entender também essas mudanças climáticas nesses locais”, reforça Domingos. Ele trouxe, ainda, um forte relato sobre a importância de áreas protegidas, como o Parque Estadual do Cristalino (PEC2), no estado do Mato Grosso, localizado ao lado da Serra do Cachimbo, uma área militar com 2 milhões de hectares que está em processo de extinção. “Essa é uma das grandes barreiras para evitar o avanço do desmatamento na Amazônia. O mais importante é que a extinção desse parque vai causar o aumento do aquecimento global, de mudanças climáticas e liberação de gás carbônico para a atmosfera”, teme o pesquisador.

Em seguida, o público conferiu a apresentação do professor Alan Cavalcante da Cunha, da Universidade Federal do Amapá, doutor em Engenharia Civil (USP), pós-doutor pela Universidade de Miami. Ele colocou em evidência a importância dos estudos de caso sobre a hidrodinâmica do estuário do rio Amazonas. “Esse estuário é um dos mais desconhecidos da ciência brasileira, mas também um dos mais estratégicos”, aponta Cunha. Ele foi enfático sobre as diversas questões evolvidas com essa vida pluviométrica, como os fatores que interferem na qualidade da água, como a poluição existente hoje, e as previsões de futuros agentes poluentes, como a exploração de petróleo na foz do rio Amazonas, com risco de degradação irreversível da biodiversidade na região. Foi apresentado também um estudo de caso de simulação de dispersão de óleo e as consequências de vulnerabilidade dos ecossistemas.
Finalizou o painel, a professora Moirah Paula Machado de Menezes, do Instituto de Estudos Costeiros da Universidade Federal do Pará, doutora em Ciências Naturais pela Universidade de Bremen (Alemanha). Ela destacou a relevância dos tratados para conter mudanças climáticas, realizados durante as Conferências das Partes (COP), desde o Protocolo de Kyoto, no Japão, (1997), quando foi firmado o compromisso de redução das emissões de gases do efeito estufa em 5,2%. Porém, segundo Moirah, mesmo diante dele, as emissões de carbono na atmosfera evoluíram progressivamente, abrindo caminho para um novo pacto, que foi concretizado na COP parisiense, com o famoso Acordo de Paris, em 2015, visando conter o aquecimento global em até 2ºC. “Esse acordo previa que deveríamos manter esse aquecimento abaixo de 2 graus, limitando-se a 1,5 grau. No entanto já estamos em 2025 e já estamos neste 1,5 grau. Sendo que alguns lugares no Brasil já atingem 3 graus de aumento da temperatura média anual. Esse é um valor muito alto”, pontua.

“Precisamos falar da COP na Amazônia. Quem está sofrendo com a elevação da temperatura? Quem está sentindo os impactos das mudanças climáticas? Sãos os países que reservam a biodiversidade, que mantém suas florestas, os povos tradicionais que vivem nas áreas naturais”, exortou a pesquisadora.
Se você perdeu o evento, não deixe de assistir à apresentação de todos os participantes desse painel e também das demais falas expositivas, que tiveram transmissão ao vivo no canal do YouTube da UFPA, no qual a gravação está disponível na íntegra.