Consta nos documentos oficiais que a fundação da cidade de Belém completa 409 anos neste domingo, 12 de janeiro. No entanto, se sabe que os povos originários já residiam na Amazônia antes da colonização europeia. “Muitas vezes, fazemos uma leitura da região a partir dos negócios, que envolvem estradas, portos, exportações etc. Isso está ligado às demandas que chegam de outros países (por exemplo, soja, ferro, madeira) ou de outras regiões (como a eletricidade). Porém, essas atividades ocorrem sobre territórios que eram de floresta e habitados por grupos que sabiam manejá-la viva (ribeirinhos, extrativistas, quilombolas e indígenas)”, comenta a professora titular da Universidade Federal do Pará (UFPA), Ana Cláudia Duarte Cardoso, que é doutora em Arquitetura e docente do Programa de Pós-Graduação de Arquitetura e Urbanismo (PPGAU/UFPA).
Reposicionar a história de uma das principais capitais do Norte brasileiro, sobretudo a sua relação com os rios e a floresta, apresenta-se como um dos principais desafios em tempos de alterações climáticas possivelmente irreversíveis. “Para os indígenas, a várzea era um espaço de abundância. As águas e a natureza eram estratégicas para a mobilidade, o abastecimento e a subsistência, enquanto para os colonizadores a prioridade era a terra”, explica Ana Cláudia Cardoso.

Ainda de acordo com a professora do PPGAU/UFPA, as atividades econômicas implantadas na Amazônia prescindem das cidades, pois operam a partir de redes de transporte e telecomunicações, sem gerar empregos nos centros urbanos – ainda que possam beneficiar grupos mais restritos. Isso aprofunda desigualdades históricas e cria cobranças por parte dos cidadãos mais prósperos, para que Belém seja semelhante a outras cidades de base industrial, quando a maior parte da população ainda não conta com condições básicas. Essa decisão de lutar contra a natureza tornou mais vulneráveis os mais de um milhão de habitantes de Belém, no contexto climático do século XXI.
“As chuvas estão mais intensas e concentradas, a maré meteorológica está subindo, enquanto a cidade está se tornando cada vez mais impermeável. Hoje, as inundações não estão mais restritas aos bairros populares. Será necessário reaprender a conviver com as águas, lembrando que isso significa gerir o uso e ocupação da terra de modo compatível com essas circunstâncias”, afirma Ana Cláudia Cardoso.


Lições da floresta – As árvores absorvem e evapotranspiram a água, limpam águas sujas, melhoram a qualidade do ar e reduzem a temperatura. Contudo, a professora do PPGAU/UFPA alerta para o desaparecimento da arborização da cidade de Belém, sem que as(os) gestoras(es) públicas(os) apresentem um plano para impedir isso. Neste cenário, as ilhas que fazem parte da capital paraense – Mosqueiro, Cotijuba, Combu, Caratateua, das Onças e Outeiro – são fundamentais para a exploração sustentável da floresta amazônica.
“Os padrões de uso e ocupação nativa das ilhas já estão estabelecidos, portanto elas não são áreas de expansão para o padrão de ocupação que é usado no continente, onde as várzeas foram aterradas e a população ribeirinha expulsa. A envoltória verde que as ilhas oferecem para a cidade mantém o clima e promove inclusão social, pois nas ilhas há produção de alimentos, turismo comunitário, extração de óleos e outras práticas de interesse agroecológico que merecem ser reconhecidas e mantidas”, comenta Ana Cláudia Cardoso.
Esse hibridismo entre a face metropolitana típica do país, na área central de Belém, e a face nativa, nas bordas e ilhas, resulta em sabores e sons que encantam habitantes e turistas. “Se matarmos essa cultura e esse modo de viver, não teremos mais identidade. Não somos uma cidade ‘disneificada’, onde as coisas são feitas para turista. Nossa vida cultural é genuína e pulsante, e isso deve ser considerado na hora de revitalizar mercados, portos, espaços públicos, etc. Também, na gestão do território, respeitando o espaço necessário para todos os modos de vida”, afirma a professora do PPGAU/UFPA.


Roteiros Geo-Turísticos celebram a cidade e o seu patrimônio – Como forma de celebrar o aniversário de Belém, reforçando a memória sócio-espacial da cidade, neste sábado, 11 de janeiro, a partir das 8h30, será realizada uma edição especial do Projeto Roteiros Geo-Turísticos pelo Bairro da Cidade Velha. Há mais de 14 anos, a atividade coordenada pela professora titular da Faculdade de Geografia e Cartografia e do Programa de Pós-Graduação em Geografia, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH/UFPA), Maria Goretti da Costa Tavares, promove caminhadas a pé no Centro Histórico de Belém, com o objetivo de apresentar a um público amplo questões sobre o patrimônio material e imaterial, a cultura e o ambiente da cidade por meio da sua geografia, da produção do seu espaço, da sua história e da sua arquitetura.

“O Roteiro Geo-Turístico apresenta a história de Belém, mas também contextualiza os seus problemas. É importante que as pessoas participem da nossa ação para que possam reivindicar junto às(aos) gestoras(es) públicas(os) melhorias para a cidade”, afirma a professora Maria Goretti Tavares.
A participação no Roteiro Geo-Turístico é gratuita, mas necessita inscrição prévia, que pode ser feita por meio de formulário virtual. O percurso sairá do Forte do Castelo e seguirá a seguinte ordem: Ladeira do Forte – Complexo Feliz Lusitânia (Praça Frei Caetano Brandão, Igreja de Santo Alexandre – Museu de Arte Sacra- , Catedral da Sé, Casa das Onze Janelas) – IACITATÁ (Ponto de cultura alimentar) – Rua Siqueira Mendes – Praça e Igreja da Sé – Rua Joaquim Távora – Largo e Igreja de São João – Rua Tomázia Perdigão – Palácio Lauro Sodré (MEP) – Palácio Antônio Lemos (MABE) – Praça Dom Pedro II – Museu do Círio – IHGP (Solar do Barão de Guajará).