Entre as atividades realizadas no Paneiro, um espaço farto de troca de saberes desenvolvidos por populações tradicionais durante a 76ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o público pôde conhecer as técnicas ancestrais utilizadas por populações ribeirinhas para tecer ferramentas utilizadas na cultura alimentar amazônida e discutir a soberania alimentar popular das sementes crioulas.
Estudante da Educação de Jovens, Adultos e Idosos (EJAI) da Secretaria Municipal de Educação de Belém (Semec), Joveli das Graças Cardoso, conhecida como dona Cita, foi a responsável por falar um pouco sobre a tradição que garante o sustento da sua família há gerações, na Oficina “Tecendo sonhos: paneiros e matapis na EJAI Ribeirinha de Belém”. Moradora da comunidade ribeirinha de Nossa Senhora dos Navegantes, na Região Metropolitana de Belém (RMB), dona Cita domina o conhecimento de tecer paneiros com talas de guarumã, planta abundante nas áreas de várzea do estado do Pará.
“Quando nós éramos pequenos, com os nossos pais, o guarumã era a nossa sobrevivência. As folhas do guarumã eram a melhor forma de sobrevivência nos tempos do inverno, quando nós não tínhamos nada para sobreviver. Sobrevivemos da corda de guarumã, da tala de guarumã, e essa luta não acabou. Os meus pais se foram, mas eu estou aqui, fazendo o mesmo trabalho para sobreviver”, contou ao público.
Antes de iniciar a tecer um paneiro durante a oficina, a artesã destacou a importância do trabalho para a sua comunidade e desse conhecimento que ela pretende levar para as gerações futuras. “Foi com essa sobrevivência, com essa cultura, que eu criei meus filhos. Eu criei oito filhos e ajudei a criar quatro netos com essa cultura que a gente está vendo hoje, aqui. Tudo que eu tenho a dizer é que essa cultura não vai acabar, porque eu vou continuar trabalhando”.
No caso da dona Neucir, camaroeira de 82 anos e moradora da região da Ilha de Caratateua, o saber guardado por ela é o da confecção dos matapis, utensílio utilizado para a pesca do camarão e feito da tala de jupati, palmeira nativa da floresta amazônica. A manutenção da prática ancestral e própria das comunidades ribeirinhas do estado do Pará, até hoje, garante a sobrevivência de muitos ribeirinhos e, na comunidade da dona Neucir, a técnica de confecção do matapi é dominada pelas mulheres.
Assim como Joveli das Graças Cardoso, dona Neucir também foi alfabetizada no âmbito da Educação de Jovens, Adultos e Idosos (EJAI) da Semec, cujas atividades se inserem no Projeto de Alfabetização à Mesa – Sabores e Saberes, que busca estabelecer um diálogo com a pedagogia freiriana, trazendo a cultura alimentar amazônida para a cena pedagógica e como tema dos processos de alfabetização.
Sementes crioulas – Ainda no palco do Paneiro, o quinto dia de programação da 76ª Reunião Anual da SBPC também foi marcado pela troca de experiências e saberes dos conhecimentos que vêm do campo, sobretudo no que se refere à preservação e multiplicação das sementes crioulas como prática mantida ao longo dos séculos pelos camponeses. Dentro da atividade intitulada “Troca de Sementes Crioulas e Saberes: Fortalecendo a Agricultura Familiar e a Agroecologia para a Soberania Alimentar Popular (MCP e MDA)”, os integrantes do Movimento Camponês Popular (MCP) disponibilizaram sementes que puderam ser levadas pelo público para serem posteriormente plantadas.
“Nosso movimento é uma organização nacional que atua na produção de alimentos saudáveis, fundamentalmente no processo de resgate e multiplicação das sementes crioulas como uma estratégia de soberania alimentar e, acima de qualquer coisa, garantia da conservação da cultura camponesa de produzir alimentos saudáveis e garantir, principalmente, sementes livres da transgenia”, explicou o representante da direção nacional do MCP, Lidenilson Silva.
Ao final do bate-papo, as mais de 30 espécies de sementes colocadas em exposição – entre sementes de milho, feijão, arroz, maniva de macaxeira e de mandioca, entre outras – foram disponibilizadas ao público. “Este momento é de troca, de experiência, de gratidão, porque falar de semente crioula, falar da experiência dos guardiões e das guardiãs é falar, exatamente, do processo embrionário da gênese da vida, que são as sementes. É também pensar na soberania da Amazônia, na soberania do Brasil, é pensar na soberania alimentar da própria nação brasileira, que é quem detém o poder de produzir alimento saudável”, comentou o integrante da coordenação estadual do MCP Márcio Ramos.
O momento emocionou a educadora popular Ludmila Maia, 48 anos, que participou da programação da Reunião Anual. “Eu estou emocionada porque essas pessoas têm uma importância imensa para a sociedade, pois produzem alimento sem veneno. E, olha que coisa linda, elas vieram hoje, aqui, compartilhar alimentos. Os nossos governantes precisam pensar sobre isso, que quem produz alimento sem veneno é a agricultura familiar, é a agroecologia, e são esses alimentos que precisam chegar à mesa de quem é da cidade. É preciso investir nessas pessoas, nessas guardiãs e guardiões”, finalizou.